XARÁ

XARÁ

Crônica de Paulo Rebelo

Atendi muitos gays, homens e mulheres na vida, desde o tempo em que não havia a sigla LGBTQIA+. Na década de 80, como médico, eu os atendi no auge da epidemia da AIDS no mundo, em que essa gente sofreu enorme e duplamente: o desconhecimento científico e discriminação e assim nos aproximamos uns do outros por empatia e compaixão, pois na época, na ausência de controle com os medicamentos anti-retrovirais inexistentes, a morbimortalidade era elevadíssima; o sofrimento físico e psicológico era imenso.

Jamais tive algum problema quanto ao respeito entre nós, exceto uma única vez e o caso descreverei a seguir.

Era um homem, professor de filosofia, dogmático, na casa dos 35 anos, com trejeitos femininos,  maquiagem discreta e veste unissex. Estava ali para fazer exames de coração.

Já no transcurso do exame de imagem, ao se dar conta de que na identificação de seu exame no monitor de TV, estava o seu mome de batismo, invocou uma lei qualquer que lhe assegurava o uso de seu “nome de guerra” no documento; “SHEILA” era como gostaria de ser chamada! Em verdade, era oficioso.

Com a minha recusa em mudar o seu nome de batismo p o de guerra, alegando razões legais, “engrossou” e passou a querer me dar lição de moral. Pronto, não prestou!

Quanto mais ele insistia, mais irredutível eu ficava até que firme, pedi para ele parar de ser incoveniente, pois “eu tinha idade de ser seu pai”. Iria cancelar o exame. Assustado, ele se calou por um breve instante.

No final das contas, sem saída, contrariado, aceitou, sem antes, continuar reclamando. Teminado o exame, “por gentileza, a sua carteira de identidade”, eu lhe pedi curioso.

Nela estava inscrito:

“PAULO ROBERTO”. Pois é, só me faltava essa; nome do “infeliz” era o mesmo que o meu! 😂😂😂

Aí, mais relaxado, tirando onda, “SHEILA” disse soberanamente: “tá vendo?” E gargalhando falou:

“doutor, o senhor é meu XA-RAÁ!”

😂😂😂

PAULO ROBERO C. REBELO, o médico poeta.

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