SONHOS*

(Conto)

Eu a velava fitando o seu belo corpo que jazia profundamente adormecido durante a madrugada
e observava atentamente os movimentos rápidos e lentos de seus olhos em busca de seus segredos,
olhos que giravam furtivamente atrás de suas pálpebras cerradas,
correndo como que procurando algo,
os olhos do tipo que só enxergam na escuridão do inconsciente,
por onde só eles caminham e veem tudo, desfrutando de um prazer insondável, proibido para outros.

Mas, impassível,
eu assistia tudo,
não podendo impedir que percorressem seus sonhos desvairados,
suas andanças por outras bandas que jamais pisei,
nem sei onde estão,
para onde ela vai
ou esteve sem naquela noite me avisar.

Se eu a despertasse,
perderia a última oportunidade de conhecer a realidade de seus sonhos,
seus segredos!
Então, por isso eu a permiti sonhar.

Ao seu lado, paciente,
eu observava tudo;
curiosamente,
ela falava coisas ininteligíveis,
solilóquios a madrugada inteira,
agitava-se,
cingia a face,
gemia,
sim,
as mesmas coisas que eu incontáveis vezes fazia oculto como se fora pecaminoso,
contumaz criminoso.

Então,
ela me despertava
e questionava com a tortura da noite mal dormida
sobre os meus próprios sonhos que eu nada lembrava,
quem era a outra,
eu juro, não havia.
Só nessa hora entendia que qualquer sonhador exprimia,
sonhos são segredos inconfessos à luz do dia,
por si só torturas do inconsciente,
nem sob crucificação revelada;
loucura até mesmo para quem os sonha,
significado do silêncio perturbador para a outra alma que muitas vezes, lado a lado,
no mesmo leito de amor,
testemunha a alma dela fugidia que à noite escapou
e na manhã seguinte do amor ardente,
diz sem remorso ou desfaçatez,
parecia verdadeiro,
mas que nada sabia e confrontada,
perguntava se sonhar era proibido,
algum pecado da alma insatisfeita.

Tinha a chave do quarto,
mas não de sua alma,
quando pudesse entrar e sair sem pedir licença,
perscrutar livremente sua mente como o amante acariciando as curvas de seu corpo sem nenhum pudor.

Mas, isso não me fora permitido sem que sequer algo conscientemente ela tenha consentido.
Era seu segredo, eu entendia.

Ao sonhar,
ela, entre abafados gritos,
absorto eu elucubrava entre real e imaginário,
totalmente enciumado como se eu jamais em sonhos tivesse pecado!

A razão dos seus sonhos me questionei,
de fato,
jamais saberei.
Sonhos quem sabe são válvulas de escape,
o fio terra,
o vertedouro,
o fugaz e sutil ladrão de sentimentos e sensações;
um passatempo.

Então,
se não tivesse nada a esconder realmente
ou já morto e sepultado para sempre,
a volúpia sem culpa apenas entre nós dois,
claro, tudo teria sido esclarecido,
sem máscaras,
sonhos sequer existiriam,
Não fazem nenhum sentido entre um homem e uma mulher, nada de segredos trancados a sete chaves,
tudo seria conhecido.

Assim,
os sonhos seriam reais e não mais imaginários,
meros desejos confessos ou livres,
uma atividade lúdica,
pois sonhos são pulsões do inconsciente sem culpa,
sem freios nem arreios,
uma curiosa maneira de existir e ser feliz noutro mundo,
nem que seja apenas por uma noite.

Paulo Rebelo, o escrevente do tempo.

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