SEGREDOS*
Até onde posso me expor
revelar-me sem melindres,
sem receios,
abrir minha alma sem acinte,
eviscerar-me por inteiro,
sem medo de estar errado
e tornar-me refém do preconceito?
Já não basta a minha própria consciência a me atormentar,
por vezes vil e mesquinha,
eu, réu, desde que vim ao mundo,
o sofrimento da auto condenação,
da eterna auto comiseração,
ser vítima de meus traumas inconfessos
e de meus crimes aos olhos do mundo?
Eu preciso falar.
Pois, o pudor parece ser do outro e não mais meu.
A vergonha já não é minha,
mas de quem me julga
e condena por um sofrimento que só me pertence,
que sofro na própria pele e me sufoca,
sem me dar a oportunidade de tentar me explicar,
ajudar-me a compreender aquilo que é comum a todo o homem: a solidão da alma aflita,
mortalmente envolvida em segredos!
Pois, tudo tem uma história! Eis a minha:
desejei todos os prazeres do mundo,
lhes juro,
alguns puros,
outros,
insanos
e tive medo de assumí-los por inteiro
Vontade de viver intensamente a fim de ser feliz
e, muitos outros, completamente,
por eles me perdi.
Ó DEUS, é tão pessoal e profundo que não sei nem por onde começar.
São segredos meus. É como puxar o fio da meada e acabar por criar um emaranhado de nós.
Mas, falar é desatá-los, finalmente,
tornar-me um homem liberto de mim mesmo.
O segredo é um esconderijo,
por vezes,
o calabouço da alma.
O que é segredo a não ser o lado o lado oculto do homem?
Às vezes, o lado mais súcio!
A minha necessidade interior de passar a limpo.
Daí o desejo, ainda que
o medo de torná-lo público;
o meu lado intangível,
a face oculta de minha lua privada,
mesmo ser mal compreendido,
antes não morrer invivisível
Que o mundo não me julgue,
apenas me escute!
Alguns segredos, dirão, são tão preciosos,
outros tão profundos que é melhor deixá-los sepultados no fundo do mar.
O amadurecimento da alma acontece quando já não há mais segredos.
Paulo Rebelo, o médico poeta.