O VÍRUS*
O VÍRUS
Acordei me sentindo doente.
Era uma doença diferente.
Sentia de tudo
mas parecia não haver nada.
Um medo estranho.
Faltava-me o ar.
Dormi pensando no vírus,
no drama humano,
na liberdade cerceada,
nos respiradores mecânicos,
nas máscaras,
no desespero de alguns,
na incivilidade de outros,
na cidadania abandonada,
mas também,
nos gestos de humanidade
e solidariedade,
naqueles que por ele já se foram,
nos que haverão de ir
e que poderia ser eu,
um familiar,
um amigo,
um conhecido.
Era uma guerra invisível,
sem bombas,
sem armistício.
No fundo,
o vírus
infectou a minha alma.
Lavei minhas mãos com água e sabão,
passei álcool gel.
Não foi o bastante.
Continuo doente.
Então, era o meu pensamento,
que criou um sentimento doentio
de que era o Dia do Juízo Final,
que me fez ter calafrios,
onde tudo era inacreditavelmente real,
um pesadelo sem fim.
Ao longe alguém canta uma bela canção
que me faz resistir silenciosamente.
Paulo Rebelo, o escrevente do tempo.