O RENASCIMENTO*

 

A vida inteira ele se viu a própria grandeza repleta de si mesmo
do tipo como se a camisa de força estivesse lhe contendo,
ele preso ao próprio umbigo,
fazendo-o pensar que outros sequer existissem
ou fossem meros suportes
apenas enfeites,
apêndices,
simples figurantes em sua vida
Que julgava abastada.

 

Destoava sua personalidade,
criando assim tão banais os relacionamentos humanos, ás vezes insanos,
subestimando-os,
acreditava girarem em sua órbita,
visto que o mal como bolor na parede,
em sua consciência, poderia ser apagado por simples caiado branco mundano.

 

Mesmo no sofrimento alheio tal a frieza de seus instintos,
tampouco, lhe chamou a atenção todas aquelas visíveis nódoas de seus relacionamentos fúteis passados
os quais fingiu e jamais amou!
O encontro de almas perdidas.

 

Pincelava apenas o que lhe interessasse em largas canvas.
Acreditava tratar-se de um ser a parte no mundo.
E por motivo insondável tornou-se altivo e vaidoso,
se tomou ele como o melhor de todos.
Paradoxalmente, transformando-se assim um homem como muitos que se creem poderosos, para muitos, um homem qualquer.
Passou a ser mais um estranho no ninho.

 

A beleza física o fez como um semideus,
todavia, permanecia estéril,
que com o passar do tempo, o brilho resplandecia pela riqueza acumulada, porém como num buraco negro que tudo ao seu redor lhe tragava.


E, com o passar dos tempos cicatrizes e rugas surgiram, até para si outrora estranhamente indefectível.
Assim um dia sem avisar, os primeiros ventos de mudança vieram como uma violenta tormenta.
Não teve sofrimento maior do que sua própria dor na consciência.
Fez-se notar o grande vazio existencial que só o tempo lhe pôde demonstrar.

 

Ao lado da alegria do nascimento ou da pompa de um casamento,
da celebração de um fausto aniversário ou de um réquiem ao morto no féretro,
num grave chamado de lado indistinto,
despertando de longo e profundo sono,
se deu conta da temporalidade da vida.
Pela primeira vez ao sentir medo nesse confinamento infinito!

 

Na falta de perspectiva de uma vida eterna nesse mundo,
Sua alma aprisionada buscou apoio no vazio,
Pois sempre esteve sempre à mercê da festiva solidão,
no valor relativo das coisas terrestres que são vistosas para os olhos, todavia não para o espírito quando ao olhar para o firmamento nada via!
Onde nunca se reconheceu e agora percebia há muito estar no desvão da mente atormentada e vazia.


Assim, quanto mais gritava nada se entendia.
Apelar para quem se de fato ninguém conhecia?!

 

Enveredou por todos os credos em busca da luz na vastidão do nada,
quando o ecletismo espiritual era sua palavra oca de fé onde grassam religiões e seitas que a elas por mera modernidade sucumbia, pois
algo que de tudo nada entendia.
Que louvor se sequer com fervor as sentia?

 

Da linguagem de um homem altivo restaram solilóquios,
um zumbi caminhando nos labirintos da mente.
Que durante anos e por longas noites e sinuosas estradas escuras vagou, lutando contra fantasmas de sua vida errante.
E então, amaurótico se perdeu.
Desesperou-se aponto de parecer perder a razão,
Pois ninguém não mais lhe escutava nem mesmo a cotovia.
Estava sendo punido por algo que mal conhecia.

 

Quantos males ele havia causado?
Quantos corações despedaçados?
Quantos seres humanos por ele desprezados?
Porém, resignado, aceitou a provação.

 

Passaram na cabeça coisas que não faziam sentido,
que não tinham relevância alguma,
coisas que outrora cultuava,
no tempo perdido para miudezas dedicava,
na frieza de seu coração,
nas ilusões,
nas quantas vezes que virou as costas para o mundo.

 

Após a catarse que não acabava nunca,
de tanto digladiar-se como sua consciência,
chorou a cântaros até secar o rio de lágrimas,
Infinitamente, o quanto e por quanto tempo até esgotar-se combalido de si, atirado a esmo já sem forças numa íngreme via.

 

Um dia numa revelação vinda do alto, uma força maior que tudo dele se apoderou e lhe soprou aos seus ouvidos algo que lhe impingiu na alma o que necessitava ser dito, a verdadeira grandeza e desprendimento individual para que finalmente entendesse qual o maior sentido da vida a ser alcançado:

 

A libertação de si mesmo.

 

 

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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