O PARAÍSO*
O PARAÍSO
(Crônica)
A música ao lado de sua casa era tão alta que ele não conseguia dormir. Parecia um pancadão. Acontecia sempre. Andava nervoso depois de um ano, pois havia tempos que, à noite dos fins de semana e feriados, não podia mais assistir um filme, receber visitas ou estudar. Já estava adoentado. Nem a conversa nem o chamado da polícia conseguiam resolver
a disputa pessoal.
Na manhã seguinte encontrou dois dos vizinhos festeiros. Houve um forte bate boca.
Disse que um dia fora médico deles mesmos, inclusive de toda a família, e que sabia que eles não eram nada saudáveis e que poderiam morrer e a bebedeira, fumo e alimentação e vida desregrada seriam os seus fins. E arrematou: “vocês deveriam me agradecer”. Ao que disseram: “isso é passado!”. “Bando de mal agradecidos”, disse o médico.
O fato é que aquilo que disse sem nenhuma maldade ao dois pareceu uma rogação de praga.
Estava fora da cidade quando a sua mulher disse: “o Zeca, o nosso vizinho, teve morte súbita”. “Meu DEUS!”, exclamou.
Depois do ocorrido, mais infortúnios fúnebres aconteceram na vizinhança até criar um estranho ambiente de silêncio perturbador.
Assim, sem que o médico mudasse o destino, o próprio destino se encarregou de mudar a rua inteira, restabelecendo a paz que sempre buscara.
Paulo Rebelo, o médico poeta.