O PAI AUSENTE*
O PAI AUSENTE
Como médico sempre fui um homem muito ausente na criação de meus filhos. Que o diga a minha esposa. Quando eu saia cedo de manhã para trabalhar, eles ainda dormiam. Nunca soube o que é levá-los para a escola. Não almoçava com a família. Quando voltava tarde à noite, já estavam dormindo. Nunca soube o que é sentar à mesa com eles para jantarmos. Nos feriados e fim de semana, eles acordados e eu, dormia. Era a rotina enfadonha.
Cresciam e se desenvolviam à margem de minha vida e eu nem vendo nada disso.
A minha esposa, também, médica jamais me desmereceu como pai por não lhes dar mamadeira, trocar as fraldas nem por eu não ir às festas escolares, chegar atrasado aos seus aniversários e trocar as datas e até confundir o nome dos meninos.
Também, nunca soube o que é ter um “papo de amigos” com eles. À moda antiga, fazia o tipo autoritário.
Estranhamente, sempre guardava um sentimento de incompletude paterna e marital. Mas, a necessidade de provedor me levava a trabalhar e trabalhar, sem maiores problemas de consciência.
Um dia soube através da mãe que eles três gostariam de serem médicos. Ainda eram adolescentes com a voz ora grave ora em falsete. Contente, mas meio sem graça pela falta de companheirismo entre nós, perguntei-lhes: “qual a ideia que vocês têm de mim como pai? Por que gostariam de fazer medicina?”
Achando estranho, os rapazinhos se entreolharam desconfiados e devido à minha insistência, deslocados, mas firmes disseram:
“O senhor nos dá bons exemplos”, disse o mais velho! “E olha, nunca vi o senhor falar mal da profissão e de seus amigos”.
“Os pacientes e na escola, os nossos professores falam bem de vocês dois”, disse o terceiro. O segundo: “o senhor nunca nos fez passar vergonha chegando bêbado e tarde da noite. Nem fuma”. Prosseguiu: “Ninguém vem cobrar nada na porta de casa. A gente não sabe de nenhum meio irmão por aí”, riram todos.
E continuou: “tudo bem, vocês dois brigam, discutem por bobagens, mas a gente percebe que é a maneira de vocês se acertarem”. E mais: “por respeito, nunca interviemos. Ninguém tem medo, mas a gente não se sente bem, porque o senhor cobra demais sem conversar.” (silêncio na sala de jantar e eu engoli secamente).
Meu Deu, eu pensei: “agora eles vão me bater feio”.
Mas, disseram: “Olha t´aí, quando a gente pegava a estrada nos fins de semanas ou viajava, a gente gostava muito, porque o senhor cuidava da gente e não nos deixava faltar nada. A gente nadava e remava nos rios. Brindávamos de pegar jacaré tomar caldos nas ondas das praias. Gostávamos quando o senhor preparava as cestas de lanches e em algum ramal, vocês paravam o carro pra a gente comer e brincar. O senhor parecia outra pessoa”.
A gente conversou mais amenidades e sobre a decisão dos três e que isso me deixava muito feliz. A esposa já sabia de tudo, de suas queixas e descontentamentos. Era “cúmplice”.
De fato, os nossos filhos nunca nos deram quaisquer tipos de problemas.
Já passavam das 11 horas da noite. A minha mulher adormecera. Eu não conseguia dormir de tão pensativo que com tudo estava. Agradecido por terem revelado aquilo tudo. Senti-me aliviado por me imaginar que, ainda que um pai ausente restaram boas memórias e respeito. Estava feliz por seguirem a profissão de médicos.
Todavia, faltava alguma coisa que me marcou profundamente: o estranhamento e distanciamento entre eu e meus filhos já quase adultos eram por falta do amor que eu rude jamais soube cultivar. Tomei um choque. Eu não lhes dei amor? Não, é verdade! Então, no início, lágrimas secas derramaram no meu rosto como se me dissessem: “não tens culpa nenhuma; trabalhavas duro”, mas depois, como um condenado, chorei até entupir minhas narinas e lágrimas molharem a fronha de meu travesseiro.
Adormeci não sei que horas e sem sentir. Estava com as forças drenadas.
O dia seguinte para todos em casa era igual, mas para mim era completamente diferente; eu acordei “estranhamente” feliz e aliviado; e depois de ter levado um “puxão de orelhas”, eu passei a compreender, finalmente, o que é amar os filhos.
Paulo Rebelo, o médico poeta.