O PAI AUSENTE*

O PAI AUSENTE

Texto por Paulo Rebelo

 

Sempre fui um homem muito ausente na criação de meus filhos. Que o diga a minha esposa. Quando eu saia cedo de manhã pra trabalhar, eles ainda dormiam. Nunca soube o que é levá-los para a escola. Não almoçava com eles. Quando voltava tarde à noite, já estavam dormindo. Nunca soube o que é sentar à mesa com eles para jantarmos. Nos feriados e fim de semana, eles acordados e eu, dormia. Era a rotina enfadonha.

Cresciam e se desenvolviam e eu nem vendo nada disso.

A Bernadete jamais me desmereceu como pai por eu não ir à festas escolares, chegar atrasado nos seus aniversários e trocar as datas e até confundir o nome dos meninos.

Também, nunca soube o que é ter um papo de amigo com eles. À moda antiga, fazia o tipo autoritário.

Sempre guardava um sentimento de incompletude paterna e marital. Mas, a necessidade de provedor me levava a trabalhar e trabalhar, sem maiores problemas de consciência.

Um dia soube através da mãe que eles três gostariam de fazer medicina como os pais. Ainda eram adolescentes com a voz ora grave ora em falsete. Contente, mas meio sem graça pela falta de companheirismo entre nós, perguntei-lhes: “por que gostariam de fazer medicina? Qual a ideia que vocês tem de mim como pai?”

Achando estranho, os rapazinhos se entreolharam desconfiados e devido à minha insistência, deslocados, mas firmes disseram:

“O senhor nos dá bons exemplos”, disse o segundo!
E olha, nunca vi o senhor falar mal da profissão e de seus amigos”.

“Os pacientes e na escola, os nossos professores falam bem de vocês dois”, disse o terceiro, o menor.

O primeiro: “o senhor nunca nos fez passar vergonha chegando bêbado e tarde da noite. Nem fuma”.

Prosseguiu: “Ninguém vem cobrar nada na porta de casa. A gente não sabe de nenhum meio irmão por aí”, riram todos.

E continuou: “tudo bem, vocês dois brigam, discutem por bobagens, mas a gente percebe que é a maneira de vocês se acertarem. Nunca interviemos.”

O senhor não fala com a gente, mas é o seu jeito. Ninguém tem medo, mas a gente não se sente bem, porque o senhor cobra demais sem conversar… (silêncio na sala de jantar e eu, engoli seco).

Meu Deus, agora vão bater feio, pensei.

Mas, disseram: “Olha ‘taí, quando a gente pegava a estrada nos fins de semanas ou viajava, a gente gostava muito, porque o senhor cuidava da gente e não nos deixava faltar nada. Gostávamos quando o senhor preparava as cestas de lanches e em algum ramal, vocês paravam o carro pra a gente comer e brincar. O senhor parecia outra pessoa”.

A gente conversou mais amenidades e sobre a decisão dos três e que isso me deixava muito feliz.

A Bernadete já sabia de tudo, de suas queixas e descontentamentos. De fato, os nossos filhos nunca nos deram quaisquer tipos de problemas.

Já passavam das 11 horas da noite. A Bernadete adormecera. Eu não conseguia dormir de tão excitado que com tudo estava. Agradecido por terem revelado aquilo tudo. Senti-me aliviado por me imaginar que, ainda que sendo um pai ausente, restaram boas memórias e respeito.

Todavia, faltava alguma coisa que me marcou profundamente: o estranhamento e distanciamento entre pais e filhos já quase adultos era por falta do amor que eu rude jamais soube cultivar. Tomei um choque. Eu não lhes dei amor? Não, é verdade! Então, no inicio lágrimas secas derramaram no meu rosto como se me dissessem: “não tens culpa nenhuma; trabalhavas duro”, mas depois, como um condenado, chorei baixinho até entupir minhas narinas e lágrimas molharem a fronha de meu travesseiro.

Adormeci não sei que horas e sem sentir. Estava com as forças drenadas.

O dia seguinte para todos em casa era igual, mas para mim era completamente diferente; eu acordei “estranhamente” feliz e aliviado; depois de ter levado um puxão de orelhas, eu passei a compreender finalmente o que é amar os filhos.

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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