O PACIENTE*
O PACIENTE
Por Paulo Rebelo
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Ao longo de três décadas de carreira médica, já vi todo o tipo de paciente; o sabe tudo, o exigente, o fragilizado, o inseguro, o desatento e o hipocondríaco.
O médico deve estar atento para as armadilhas dessa relação, estando consciente de que essa clientela é “diferente”, exigindo dele algo muito além do conhecimento técnico: o equilíbrio. Nem sempre é possível. Isso não é ensinado nas faculdades médicas, exceto “en passant”.
Além disso, não basta que o médico seja acolhedor e deixá-lo à vontade, educado e ter outras qualidades essenciais para o atendimento. Isso são preceitos básicos.
Ocorre que o ego desses pacientes citados está mais “aguçado” ou “distorcido” do que a média do restante da clientela, reflexo de sua “personalidade difícil”, mais do que ninguém, fazendo uso de uma série de mecanismos de defesa do ego sobre o médico como a projeção, repressão e recalques deslocamento, sublimação, repetição, fixação e etc.
Acreditam ser o centro das atenções e que seu caso é “especial”. Todos tem um sentimento em comum: o medo consciente ou não de morrer, mas que verbalizam de forma “estranha” ou imperceptível.
Deixar claro que todo ser humano desenvolve um ou outro, mais ou menos, mais cedo ou mais tarde, mecanismos de defesa da personalidade, inclusive o próprio médico.
O normal é o equilíbrio dessas forças das instâncias da personalidade (o ID, o EGO e o SUPERGO).
O “Sabe Tudo” como o nome já diz, já tem o diagnóstico provável, o tratamento e o prognóstico, não aceitando qualquer explicação ou tratamento.
O “Exigente” discute com o médico até o recibo para o imposto de renda. Tudo são detalhes.
Com o “Fragilizado” o médico deve “pisar em ovos” e pensar duas vezes no que vai dizer. Sua reação pode ir da depressão ao desespero.
O “Inseguro” precisa de um pai, quase um paizão; além de palavras, necessita sentir o resultado das ações do médico ou seja, um resultado prático quase que imediato de sua conduta.
O “Desatento” já entra no consultório com o celular na mão (antes era o jornal), aparentemente, não demonstrando nenhum interesse na consulta, mas ocultamente, no seu caso, sim. Não quer saber de “detalhes”.
Já o “Hipocondríaco” traz uma sacola de medicamentos que não deram certo. Já tomou chás caseiros. Já esteve em muitos médicos e nenhum deles conseguiu descobrir o seu “sério problema”.
Aprendi que para ter sucesso (e isso não é garantidor), o médico deva ter a habilidade de “driblador”ou seja, esquivando-se do que não interessa para o diagnóstico, geralmente, os equivocados juízos de valor do paciente, frutos de sua mente, induzindo o médico ao erro.
Outrossim, que o médico não seja confrontador e, igualmente, desafiador. Também, jamais caia no erro de aceitar o jogo deste, caso contrário será “luta de egos” entre o médico e paciente, quando perdem ambos e ganha a doença.
Francamente, não sei qual é o mais difícil de tratar. Cada um tem uma peculiaridade, demandando do médico muita atenção e esforço para não cometer equívoco no diagnóstico e tratamento, como se não bastasse as enormes dificuldades impostas pela própria doença, ainda mais acompanhada de sofrimento físico e emocional.
Não existe o melhor médico do mundo nem tampouco, o pior. Isso é fantasia do anedotário popular.
Acontece, porém, de certa forma, com o tempo e a experiência acumulada, a bem da medicina, o médico vai “pegando a manha” de cada tipo de paciente e consegue contornar o enorme desafio adicional de tratar alguém tão peculiar, como se não bastasse o duro combate que as doenças já lhe impõe no dia a dia ao longo de sua vida profissional.
Paulo Rebelo, o médico obrigatoriamente paciente.