O ORÁCULO*
O ORÁCULO
Eu já vivi 150 anos na face da terra.
Não nenhum é exagero.
Não é inverdade,
Não é lucubração absurda
nem sou uma sucessão de vidas passadas.
Não sou ressurreto.
Não é reencarnação,
tampouco sou longevo.
É que já vivi muito tempo
intensamente através das vidas alheias,
cada instante seus,
no presente e no passado,
inclusive dos mortos,
cada amor,
cada dor,
Vi muitas paisagens de maravilhar os sentidos,
de cerrar os olhos,
de o coração bater mais forte
e rápido,
da garganta secar,
de lágrimas rolarem dos olhos,
de falar alto em regozijo
para o mundo inteiro escutar:
“eu vivi!”.
Vivi cada momento
do outro,
Como se fosse o meu próprio,
um pouco de tudo,
muitas vezes
rápido e denso,
intenso,
de sua agonia,
sua insônia,
delírios e alucinações,
de incertezas,
de seu medo.
Testemunhei o nascimento de seus filhos,
do falecimento de entes queridos,
uniões seladas,
matrimônios desfeitos,
auto abandono e isolamento,
Eu os confortei.
Não tive só empatia;
estive muito além!
Fui seus corpos e almas,
naturalmente.
Transpus-me para dentro de si.
Fui eu o seu EU.
Somente assim pude,
sentir a natureza de suas almas
em toda a sua extensão
e profundidade.
Eu fui eles por um momento;
vivi suas vidas;
EU fui inteiramente suas próprias vidas!
Vivenciei as suas vicissitudes,
fracassos e tristezas.
Não apenas os males do corpo e alma,
Da proximidade e a certeza da morte um dia,
quando baixa o breu da noite com toda a escuridão
e resulta a perda da esperança.
Acima disso presenciei suas conquistas,
sucessos,
seus grandes e pequenos feitos.
Escutei cada palavra sua,
vinda de seus corações.
Eu estive lá para vibrar com eles,
compartilhar a alegria de seus sonhos realizados.
Disseram assim: “agora, sinto-me curado!”.
Ao longo dos anos, maravilhados pela graça alcançada,
eu, segundo eles, o oráculo de DELPHOS.
Já se vão os tempos idos como séculos.
Não envelheci;
estou apenas 150 anos mais jovem!
Volto às reminiscências por onde andei e vivi…
Para relembrar de meu papel de vida,
de minha humilde condição de servo.
Honro aqueles que aqui chegaram antes de mim!
Acolho os necessitados.
Assim, sou o médico do corpo e de almas!
Paulo Rebelo, o médico poeta.