O MÉDICO EXEMPLAR*

O MÉDICO EXEMPLAR

(Crônica)

Eu era um jovem médico cheio de energia e com o ideal de curar vidas humanas.

Acreditava que poderia mudar o mundo e fazer a diferença. E assim, levava a vida com otimismo e confiança na profissão que abraçara.

Iniciei minha vida profissional numa aprazível cidadezinha no interior do Brasil com fortes hábitos provincianos, com inúmeras deficiências, porém muitas eram contornadas pela solidariedade dos seus habitantes.

Além do consultório, ganhava a minha modesta e dígna vida, principalmente, como plantonista num hospital geral.

Um dia, numa tarde de um sábado de verão sufocante, fui chamado para avaliar uma senhora na casa dos 40 anos que estava internada por uma grave forma de malária do tipo falciparum e que evoluíra para o estado de coma por encefalite, inflamação do cérebro, impondo um sofrimento muito grande para si e seus familiares, além do que sobrecarregando a equipe médica e hospital já carentes de recursos vários. O quadro clínico era desesperador. O cenário, dantesco.

Procurei manter a calma diante do prognóstico sombrio, mas era quase impossível. A morte sobreviria em questão de horas para desespero dos acompanhantes que exigiam uma pronta resposta, haja vista que a família esperava mesmo que hospital fizesse mais, assim pondo mais pressão na situação, beirando o desconforto e impasse.

Um par de horas depois fui ao encontro do médico chamado por amizade pela familia da paciente já moribunda, para que ele assumisse o caso. A família o havia convencido a interromper o seu descanso no seu sítio fora da cidade.

Para o meu espanto, o médico de uns cinquenta e poucos anos aproximadamente, estava visivelmente alcoolizado; as suas pernas cambaleavam, o forte hálito etílico e a dislalia (voz empastada embolando as sílabas)era tão cômica quanto constrangedora. Mal ele podia manusear o aparelho de pressão e estetoscópio. Pareceu-me um bom homem. Pensei: “meu Deus, como alguém poderia confiar na sua avaliação?”

Eu me afastei do leito. A família ainda que aflita cercou respeitosamente médico. Não sei o que conversaram durante algum tempo, mas à distância, assistindo o choro contido dos familiares, eu os senti mais calmos e resignados com a presença daquele médico.

Após algum tempo, ao me ver, o esposo, acompanhado do filho mais velho, com um olhar condescendente aproximou-se de mim e disse-me segurando no meu ombro esquerdo: “tá vendo só doutor? Quanto sacerdócio. O doutor AMADEU é um grande médico; um exemplo para jovens como o senhor!” Atônito, engoli seco.

“Ele deixou de lado o seu lazer e família para ver a minha mulher; ele estava BÊBADO, mas veio!”

😁😁😁

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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