O GUARDA COSTA*
O GUARDA COSTA
Crônica by Paulo Rebelo
Há duas décadas, durante aproximadamente sete anos, atendi um senhor na casa dos 75 anos, caucasiano, descendente de alemães, portador de doença cardíaca avançada, depois de um infarto que deixou seu coração fraco. Militar da reserva, outrora um homem ativo, a doença deixou sequela, levando quase toda a sua vitalidade, tornando-o parcialmente, todavia tendo sido militar, pela sua rígida formação moral, guardava o porte de nobre homem; era um homem extremamente disciplinado e organizado, franco do tipo que dá ordens “e que não leva desaforo para casa”, portanto em nada abateu o seu moral. Pelo contrário, acreditava que com os remédios estaria bem para ir adiante na vida, era o que importava, dizia.
“E a patroa? E os filhos, HERR SCHNELL?”, perguntava eu; “Tá tudo criado!”, dizia abananando com a mãos.
A simpatia mútua foi quase que instantânea desde o início. Sempre respeitoso, nunca foi exigente além da necessidade de anotar tudo o que sentia e fazia para que eu tirasse as minhas conclusões.
Tornou-se um paciente e amigo. Era o meu cartão de visita. Era eu, dizia ele: “o melhor médico que eu já tive, pois foi o que me salvou”. Sabedor de sua frágil condição de saúde, ele era paciente “VIP”. Viveu mais cinco anos depois do infarto.
Uma bela manhã de trabalho, lá estava ele discretamente acomodado na antessala do consultório lendo o seu jornal, esperando calma e educadamente pela sua vez, haja vista o volume excepcional de pacientes e haver gente mais idosa e tão ou mais enferma quanto ele, quando de repente, irrompeu na sala de espera algum tipo de “autoridade” que já havia dado uma “carteirada” na recepção para passar na frente de todos. Não conseguindo o seu intento, com arrogância e em tom autoritário, alto e ameaçador, passou a dar um lições de como deveríamos atender no consultório que segundo ele, era”pior do que o SUS”, fazendo um show de moralidade, intimidado a todos, crendo que só porque, soube eu mais tarde, estava prestes para ter uma audiência ou “reunião muito importante” tinha que atendido logo.
O consultório sempre foi cheio. Nesse dia, estava um “inferno” por várias formas de prioridades, mas alguns desses casos eram mais prioritários. Digo sempre que familiares de que se passarem a argumentar demais entre si ou com minha secretária sobre quem é mais doente do que o, para resolver isso só se for “na base da porrinha ou no par ou ímpar ou na porrada! É claro que brincadeira reservada à clientela mais próxima.
Eu só vim a ouvir a confusão quando o velho homem, indignado com a audácia do engravatado, agora na minha defesa, atendo boca com ele, partiu para cima dele e deu-lhe “ORDEM DE PRISÃO”.
O diálogo a seguir, contou a minha secretária, foi mais ou menos assim?
● HOMEM: ” senhor sabe com quem está falando?”
○ VELHO: “não quero saber!”
Sou militar da reserva do EXÉRCITO BRASILEIRO. Respeite esse ambiente, respeite os pacientes e o médico que trabalhando aí desde às 8 horas da manhã”.
Houve um breve silêncio contrangedor
●HOMEM prosseguindo disse-lhe: “SENHOR, REI MORTO REI POSTO*, falou bem alto e claro p humilhar o velho soldado que imediatamente passou mal desfalecendo, sem antes ter dito já com a voz trêmula: “SEU CANALHA FDP!”
Alvoroço geral na sala de espera.
O arrogante empalideceu e, assustado sob espanto, indignação e revolta de alguns pcientes, uns gritando, “vá embora daqui!” e “olhe o que o senhor fez com o ESSE senhor!”, evadiu-se como um ladrão. Mal o vi saindo da clínica. Sem bravata, a coisa pioraria se eu tivesse intervindo. Falharam a recepção e segurança.
Ao ouvir de longe a gritaria, eu tive que parar todo o atendimento para cuidar do velho homem, enquanto o canalha saia da clínica para nunca mais voltar. Jamais soubemos de quem se tratava. Não havia câmaras nem celulares à época para registar tudo e abrir um BO contra esse homem. Teve sorte.
Assim, aquele homem valente, era apenas mais um covarde e desumano.
O velho homem não morreu naquela confusão; graças a DEUS foi apenas um mal estar súbito. Naquela época não havia câmaras de segurança nem celulares para registro do ocorrido e abrir um BO.
Algum tempo depois soube que o velho soldado tivera morte súbita enquanto dormia.
Paulo Rebelo, o médico poeta.
Como Conversamos, a intolerância e a falta de respeito é algo latente em nossos dias. Queira Deus que esta pessoa ao menos tenha aprendido com a situação já que não foi tão homem para reconhecer sua arrogância no momento.