O PRIMEIRO AMOR A GENTE NUNCA ESQUECE (O PRIMEIRO FORA, TAMBÉM)*

O fora tem uma função pedagógica na vida humana. É a mais importante no amor. A rejeição leva o ser humano da baixa estima e autoconfiança diminuída ao amadurecimento um dia, salvo se a pessoa não morrer desse amor não vivido.

O meu primeiro amor foi serôdio; foi a RUTE. Ela era linda, curvilínea. Era um amor adolescente, pueril, daquele sem que a gente se dê conta disso. Eu já era um jovem universitário na faculdade de Medicina na década de 80. Devia ter 20 ou 22 anos, não sei ao certo. Era um homem já feito, mas com cabeça de menino. Era um protótipo de “romântico”, do tipo “cabeça nas nuvens”, veja só. Eu creio que para amadurecer só precisava de um amor, não para afirmar a minha masculinidade, mas para consolidar a minha existência humana! Ah, ninguém vive sem a busca do amor. Uns vivem às cegas; não era o meu caso. Para uns não chega nunca. Para mim, eu acreditava que havia chegado. O meu amor por ela era mágico, mas tão real desde que eu passei a notá-la.

Durante alguns anos, estávamos cursando as mesmas matérias, sentados na mesmas salas de aula, mas acredite: nós nunca nos falamos! Nunca ouvira a sua voz, exceto seus murmúrios nos corredores do hospital-escola. Eu falava com ela em pensamento. Não era por telepatia, não. Era puro sonho meu. Com o tempo, percebi que ela me olhava, também. Antes ela apenas me via. Depois imaginei que meu interesse por ela era correspondido, porém como todo “adolescente”, inseguro, tinha dúvidas. Precisava de uma prova de seu amor que nunca vinha. Ao cruzar nossos olhares ocasionalmente, já não era tão ocasional assim; era desejoso. Recatada e educada, ela não o sustentava, mas eu espichava o meu mais e mais, cada vez mais frequente e eu, mais confiante, um pouco ousado, mas sem ser intrusivo.

A sua face era doce e angelical. A sua voz era baixa quase imperceptível a ponto de doer de tão desejar escuta-la. Andava lado a lado com uma ou outra amiga/colega acadêmica. Nunca tive motivo nem coragem para “chegar junto”.

Após um ano, depois de tanta solidão e sofrimento, resolvi me abrir para um colega de classe, o Marupiara, hoje, psiquiatra, soube. Guardo boas lembranças dele; era sério e brincalhão, bom estudante e boa companhia. Disse-lhe que eu a amava, mas não tinha certeza do inverso; tinha apenas “evidências” e que eu estava “aflito” por esse amor platônico.

Marupiara arquitetou um plano. Iria espioná-la durante as aulas; eu buscaria sentar numa carteira duas fileiras a frente dela e ele, uma ou duas fileiras atrás e lateralmente à ela.

O fato é que algumas semanas depois ele me garantiu que Rute, chamada carinhosamente por mim de Rutinha, não parava de me olhar, observando qualquer gesto meu, tudo tão discreto, eis o porquê demorou tanto tempo para me dar uma simples resposta; “ela me olha ou não?”

Assegurado que sim, eu já sensibilizado, mas ainda acovardado, apenas faltava um empurrão para que eu me declarasse a ela. Foi quando o Maru disse: “cara, vai na casa dela; tá esperando o quê? Ela tá a fim de ti! Ela nunca vai se declarar para ti. Uma “cocotinha” dessas, tu vai acabar dançando, pô!” É verdade. As meninas de antigamente não são como as de agora. As de hoje são diretas; fazem proposta de “ficar” até por PIX! Ah, um detalhe: cocotinha era a gíria da época para “gatinha”.

Eu fui até a casa dela antes das 10 da manhã. Era um sábado de sol de verão. Não estava me esperando. Ela veio me receber em trajes caseiros e de novo, naquela época cocotas usavam shortinhos e bustiês para alegria da rapaziada e isso não era vulgar; era moda. Meus amigos sessentões hão de confirmar.

Ela morava num bairro nobre da capital paraense. Sua casa era um belo sobrado, um bungalow de azulejos portugueses, com um belo jardim e diante da casa, uma frondosa e viçosa mangueira na calçada que fazia uma aprazível sombra em meio ao vento fresco matinal. Pensei ela é uma princesa e eu, um plebeu.

“Oi, rapaz”, disse ela me olhando carinhosamente nos olhos. Animei-me. Tive a audácia ou coragem de pegar e apertar juntas às minhas desajeitadas, as suas mãos com carinho. Enquanto as minhas tremiam e suavam de geladas, as suas eram delicadamente firmes, mas que nem plumas e acolhedoramente tépidas.

“Eu te amo”, tomei coragem e disse-lhe gaguejando e me engasgando. Ela entendeu mesmo assim. Fez-se um pequeno silêncio que parecia uma eternidade. Agora era ela quem apertava as minhas mãos. O meu coração galopava. Eu me sentia rodopiar. Então, deu-me um amável sorriso, mas senti uma leve condescendência respeitosa de sua parte para, enfim, dizer-me o seguinte: olha, se acalme. Respirei fundo. Pensei: “o que quer dizer, meu Deus?”

As mulheres, parece que amadurecem mais rápido que os homens. Os homens não amadurecem nunca. Eu creio que é uma questão de sobrevivência e também, de procriação. As mulheres dominam o mundo pelas beiradas e nos bastidores, eu descobri isso naquela manhã. Do alto de sua hombridade, Rutinha me disse: “sim, eu gosto de ti, rapaizzz (com aquele forte sotaque paraense), mas desculpe, tu te enganaste; eu não te amo“. Na hora, parece que congelei e não escutava mais nada. Eu só via aquela linda boca carnosa e úmida se mexer silenciosamente. Juro que não sei o que ela disse a mais. Lembro que trocamos beijinhos de amigos na despedida. Eu queria ter escutado: “rapaizzz, eu te amo, também”. Voltei a pé para casa desolado, mas aliviado, da Braz de Aguiar até São Braz.

Vou poupar o prezado leitor do misto de sentimentos que senti durante algum tempo. Creio que tu que tenhas levado um fora na vida, sabes o que quero dizer. Eu, parece que não existia ou levitava no fundo do poço. Durante meses aquela cena se repetia na minha cabeça como um filme, cujo final eu custava acreditar.

Ao voltar para casa naquela manhã já próximo do almoço escutei: “Menino, onde tu estavas até essa hora?” Perguntou mamãe. “E, por que estás tão suado e pálido, parece que viste um fantasma?

“Ah, mamãe”, suspirei profundamente, “não era um fantasma, foi um lindo anjo que eu vi!

Paulo Rebelo, o médico poeta.

P.S. E, para quebrar o encanto mamãe arrematou: “trate é de estudar, menino!”

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