O FAROL*
O FAROL
Aos meus filhos,
Ainda sou o REI LEÃO, não o Simba, mas o seu pai,
MUFASA.
Sou o decano da família.
Segundo a antropologia,
sou o macho ALFA da matilha,
mas que, hoje, tempos modernos, apenas lembra palidamente o patriarcado,
o mais antigo,
líder da alcateia.
Faço parte de uma valorosa equipe de revezamento de 4 x 400 m com bastão, esta que, pessoalmente, treinei.
Os meus colegas atletas e comandados sabem que já não corro como antes.
Aliás, já não são meus filhos crianças.
Céticos, de soslaio, ignoram e até zombam de minha vivência, tomando-a como interferência indevida em suas vidas, opiniões ou conselhos não solicitados,
questionando pelos vestiários até minha liderança,
dizendo baixinho que o mundo é outro,
que estou ultrapassado.
Em reuniões, inclusive, questionam minhas decisões para o grupo,
quiçá para eles, individualmente.
Creem (e sei) que estou velho e inapto para manter o ritmo.
Apraz-me e tranquiliza-me, porém perceber que não contestam meus nobres valores éticos nem morais, pelo contrário, carregam como no seu DNA.
Contudo, como assistir o jogo e não opinar nem criticar um time que está “pisando na bola”?
Querem assumir tudo e já! Querem ser campeões do mundo no primeiro tempo, no primeiro jogo, sem treinar e num campo desconhecido, com inimigo desconhecido, torcida contra…
Acham que sabem tudo da vida e que com seu destemor matarão DART VADER.
É demais para o meu velho coração!
Parece um motim, um levante popular, uma revolução, um GOLPE DE ESTADO!
Serei eu destronado à força?
Mas, tenho a sabedoria.
Ainda assim, mesmo agitados, eles respeitam minha experiência de jogo,
Até mesmo de jogo de cintura, muitas vezes, necessária. Combatida, confundindo eles isso com fraqueza de espírito ou covardia ou até falta de liderança minha.
Dizem eles: “os seus métodos e tempo são outros!”
Eu os entendo; fui assim também com o meu pai e até pior, eu, contestador, um completo anarquista, expulso da escola!
Fiquei anos sem moral, mas continuei ousado: uma valentia sem créditos na praça, exceto de Banco Imobiliario, passa tempo de adolescentes, mal percebia.
Como conjugar o novo com o velho, sua experiência de vida?
Algo que não pode jamais ser esquecida, tampouco desprezada na HORA H.
Eu sei; nas horas difíceis, então dirão: “cadê o meu pai? Certamente, ele teria uma resposta”.
Pois, eu, já barbado, muitas vezes, procurei pela lucidez de meu pai, mas ele já não estava aqui entre nós; chorei!
De cenho tranquilo, ele me disse em sonhos: “isso eu te ensinei, garoto. Calma!”
Pois, sabem os meus filhos que conheço todas as pistas, todas as matas, todas as florestas, todos os animais selvagens e os inofensivos. Aí, nessa hora me procuram, me ligam.
Porém, digo-lhes: “diante de revezes da vida, levantem a cabeça; jamais se culpem nem podem me responsabilizar como lider por todos os erros, buscando culpados pelos seus próprios fracassos e dificuldades, haja vista que as correntes marinhas mudam de direção e ilhas e nuvens se formam ou mudam de lugar; há animais que nunca foram catalogados e outros já extintos”.
Há armadilhas, o acaso, os acidentes, incidentes…
Sou o mateiro. Para facilitar o caminho, cheguei antes e abri a picada na mata, mas insistem em tomar uma trilha diferente. Dizem que é bom que se erre; importante aprender com o erro. Sim, correto, mas isso é meia verdade; o erro sem volta, sem conserto é ruim.
Por que ir num vôo às cegas quando podem usar instrumentos seguros de navegação? Dá mais tranquilidade à jornada.
A vida é cheia de surpresas e duramente imprevisível, portanto diminuemos os riscos!
A técnica e tática de ataque e defesa de MUFASA são lembranças de seu glorioso passado e são adquiridas progressivamente através de naturais curiosidades e da argúcia de SIMBA, legado passado de pai para filho.
Já não precisam mais de mim como mentor nem tutor, tampouco conselheiro.
São adultos, sim, ainda que me pareçam eternas crianças muitas vezes.
Falta-lhes a serenidade do HOMEM, sobra-lhes o viço da testosterona do jovem.
Para uma corrida 4 x 400 m, eles precisam apenas de um fã, um torcedor, um pai APOIADOR na arquibancada. Gritarei alto: “VAMOS LÁ!”
Meus joelhos doem. Tirei o pé do acelerador.
Assim digo para os meus filhos:
“A estratégia para vencer uma guerra é um privilégio de poucos e que somente os velhos a cultuam, depois de já terem perdido suas esperanças muitas vezes, tombados nos campos de batalha no passado.
Todavia, fortes ressurgiram agigantados!”.
O farol está tremeluzindo; ainda opera no horizonte e brilha! É só buscar por ele.
Paulo Rebelo, o médico poeta. 2019