O ESCRITOR*
O ESCRITOR
Paulo Rebelo
Acostumei-me
A escrever.
É um traço desde menino.
Creio que seja
Uma característica dos tímidos
E introvertidos,
Nos momentos
De incertezas,
De dúvidas
Tormentos.
A arte literária
É o tratamento,
O efetivo controle.
Não há cura,
Mas antídoto.
Com a caneta me liberto,
Sou capaz de transformar
O mundo,
Me torno irreverente,
Aventureiro,
Capaz de fazer rir
E chorar,
Indômito,
Valente.
Escrevo como
Quem pinta uma tela abstrata,
Mas nela o significado
Da alma fugidía
E inexata.
Portanto,
Preciso escrever
Para colocar
Ordem na casa.
É quase uma mania,
É minha catarse,
Uma alegoria.
Uns bebem,
Outros fumam,
Alguns lêem
Um livro,
Uns fazem jogging,
Eu apenas escrevo.
É que quando escrevo
Sou com a garrafa
De um náufrago
Levado pelas correntes
Marinhas
Esperando ser encontrado
Por andorinhas.
Talvez,
Seja uma justificativa.
Melhor mesmo
Se me escutassem.
Acontece quando
Não tenho para quem apelar.
Quero falar,
Quando não consigo
Verbalizar o que
Sinto ou penso.
Há tantas coisas
Para desabafar.
Nem sempre
Há um ouvido
Ou um ombro amigo.
Isso tem sido comum,
A minha solitude.
Às vezes, o mundo
Está tão confuso.
Percebi que é melhor
Do que ficar a sós
Pensando consigo mesmo.
Quando escrevo,
Parece que falo
Com o mundo.
Por um momento
Ele me entende.
Às vezes,
Evito levar à minha mulher
Assuntos que não sejam
Práticos
Ou corriqueiros do dia-a-dia.
Mulheres são práticas.
Ela não tempo nem paciência
Para abstrações,
Meras ilações.
Assim, restam os poucos
E verdadeiros amigos.
Não nos vemos
Com frequência
Estão atarefados.
Nem sempre estão disponíveis.
Não os culpo.
É necessário
Uma certa insistência,
Contar com sua atenção
E complascência.
Ao final,
Sem opção,
Sento diante
Da escrivaninha,
Da gaveta, retiro
Papel e caneta
E sozinho,
Mundo afora,
Escrevo
O meu caminho.
Paulo Rebelo, o médico poeta.