O CONTEÚDO*
O CONTEÚDO
Por Paulo Rebelo
Alucinação
E delirio
É querer ser continente;
Uma vez quis sê-lo,
Mas com o tempo,
Vi que sou conteúdo.
Estou contido
Num período,
Num espaço de tempo,
Aprisionado e solitário
No armário
De achados e perdidos.
É como a água num copo,
Um presente na caixa,
O sal no saleiro,
O café no bule,
Um banco na praça.
Eis que sou como um grão
De areia da praia,
Poeira de estrelas
Em algum lugar
De um amplo pedaço,
Uma zagaia.
Já o continente
É a atmosfera,
É o tempo,
O universo
É todo espaço,
Uma fera.
Assim,
Quando pensei
Que era continente,
Como um caçador
E não caça,
Fui encurralado.
Quando fui ditador,
Fui enforcado.
Um grande maremoto veio
E me sepultou
Como um tesouro perdido
No fundo do mar.
Paulo Rebelo, o médico poeta.