O CARNEIRO*

O CARNEIRO

Crônica de Paulo Rebelo

Há pacientes que a gente nunca esquece. Atendi um homem na casa dos sessenta anos. Chegou de repente no meu consultório. Apresentava-se com dispneia, termo médico para falta de ar. E era tão intensa que se escutava o chiado no peito à distância. Pálido e suando frio, com a respiração rápida e entrecortada, mal podia falar.

A pressão estava altíssima. Tudo apontava para um provável comprometimento do coração.

Dei-lhe vários comprimidos na palma de suas mãos trêmulas. Disse-lhe: “engula tudo”. Ele olhou-me assustado. “O senhor não tem fé?”, perguntei. Respondeu maneando a cabeça.

A partir de uns 40 minutos parecia não ter tido nada. Assim mesmo ele foi internado.

Tornou-se um de meus mais queridos pacientes.

No momento oportuno foi operado do coração. Compreendia bem a sua limitação e a necessidade de consulta periódica.

Agradecido imensamente por estar vivo graças a DEUS e depois a mim, dizia, durante anos a fio, pelo menos duas vezes por anos, presenteava-me com um belo carneiro já cortado e temperado pronto para ir ao forno. Geralmente, era no meu aniversário ou na Páscoa e no Natal.

Durante quase uma década evoluiu bem até o coração piorar e ter um dia morte súbita, sentado na porta de sua casa. A aceitação de sua morte por parte da família foi serena.

Aquele homem me marcou para sempre pela simplicidade, educação, bondade, sorriso fácil e cumprimento de ordem médica.

O curioso é que passei a lembrar sempre desse senhor todas as vezes nessas épocas, mesmo ela já tendo partido e eu mesmo pedia à minha esposa para preparar um carneiro assado de forno e era como se ele estivesse ali sentado à mesa ao meu lado, conversando como sempre fazíamos.

Paulo Rebelo

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