O ATOR*
O ATOR
Texto de Paulo Rebelo
O público vai ao teatro em busca de um espetáculo que o encante e corresponda à altura de seus anseios. Diariamente, a plateia é constituída de rostos incógnitos que ganham vida com a performance do ator; no fundo a alegria e a renovação de esperanças são os desejos de todos ali.
A peça apresentada é tão intensamente humana que ora empolga ora entristece, ora alivia ora emudece, sendo os atos repletos de dramas e conflitos pessoais tão intensos que chegam a doer na alma, dado ao constante embate entre o ator e cada indivíduo da audiência, exalando calor humano jamais visto. Os olhos penetrantes do público como que perscrutando a alma do artista e vice-versa, tamanha a necessidade individual, estão atentamente voltados para qualquer palavra ou gesto de ambas as partes.
Destarte, o médico tal como o ator, no seu consultório, é o protagonista diário da apresentação, todavia a razão maior de sua existência é mesmo a diversificada audiência que não pode ser desapontada, pois essa massa é composta de seres únicos, heterogêneos e repletos de idiossincrasias, sob pena de ser ele próprio duramente criticado caso se descuide desse aspecto, porquanto se espera muito dele nesse momento. Para que tenha sucesso, é fundamental apresentar-se bem. Antes de entrar em cena, já há um nítido clima de expectativa. Seu maior inimigo é a enfadonha e mortalmente traiçoeira rotina em que muitos médicos se deixam levar. Na sua sala, porém, lá no recôndito de sua alma, está o solitário médico com seus pensamentos, recaindo sobre seus ombros o enorme peso do protagonismo diário; ele sabe que o seu sucesso depende de uma boa relação com o seu público, pois ele ensaiou tantas vezes, para isso controlando seus próprios sentimentos até que sua dor desaparecesse por completo atrás de um sorriso, pois é necessário que o espetáculo continue.
A espera para a consulta parece longa, aumentando a tensão. É natural a ansiedade de véspera, afinal, são todos seres humanos. Todavia, o médico tal como o ator parece levar certa vantagem sobre o seu público, pois ambos conhecem o roteiro, mas isso não é sinônimo de sucesso e ambos estão conscientes disso. Então, como anunciando um show, o início do atendimento; ocorrem as primeiras impressões de ambos os lados. Dominado o receio do desconhecido e do acaso, pois está ciente de acidentes e incidentes, como num passe de mágica, o médico subleva qualquer dor existencial que sinta, nesse momento, transmutando-se num verdadeiro artista, visto que há muito tempo ele mesmo aprendera a fingir não ter dor e ensaiando um tipo de personalidade para cada paciente seu, isso tudo para a conquista de seu público, ele sorri.
E, tendo estudado e praticado em cima de muitos casos clínicos semelhantes, como num ensaio exaustivo, aprendera a arte de atender com maestria, às vezes, por intuição ou por puro auto aprendizado, pois na arte há o toque pessoal do autor, também. Todavia, acima de tudo, muito obtido através do contínuo e interminável preparo acadêmico e técnico, sempre guiado pelos passos dos grandes compêndios médicos e de seus velhos mestres, quando, uma vez no passado distante, comparando a figura do médico a de um ator, ensinaram ao jovem médico que:
“UM GRANDE ATOR SÓ DEVE ENTRAR EM CENA QUANDO ESTIVER PREPARADO!”
Abrem-se as cortinas: o espetáculo vai começar.