O ASILO*
Atendi um idoso acompanhado do filho. Ambos estavam bem apessoados, mas estranhamente distantes um do outro, mesmo estando lado a lado. Não parecia estarem brigados. A impressão que me passavam era que não tinham o que conversar, não tinham nada em comum.
Durante a consulta, o velho nada dizia. O rapaz era reticente e me pedia um laudo sobre as condições clínicas do pai. A família pretendia levá-lo para o asilo de idosos.
Aquilo me chamou atenção. Isso não é incomum, mas pessoalmente, nunca tinha visto isso. A princípio, achei revoltante. Como mandar um pai para o asilo?! Percebendo o meu ar de surpresa, como que para justificar tal ato, o rapaz contou a seguinte história:
A sua família não queria saber daquele homem que havia abandonado a esposa e filhos na miséria há mais de quarenta anos, por causa de uma outra mulher com quem constituíra uma nova família
Durante décadas nunca mais se ouvira falar dele. A mulher assumiu o papel de pai e mãe dos filhos pequenos e se virou como pôde para dar sustento ao que sobrara da família.
Uma bela tarde de domingo, um táxi para na porta da casa do rapaz e desce um velho homem já debilitado que dizia para ele que estava voltando para sua casa. Estranhamento total de todos.
Apenas a ex-esposa o reconheceu. Nenhum dos filhos sabia quem era aquele estranho. A velha senhora teve um colapso nervoso e em meio a essa confusão geral, souberam quem ele era.
Agora o velho havia sido abandonado pela segunda família e ele, não tendo para onde ir, resolveu voltar para casa que julgava ser ainda sua.
A família do rapaz, desassossegada e indignada com esse acontecimento, tendo em vista que sua mãe estava igualmente idosa e enferma, tomou a decisão de deixá-lo em sua casa enquanto providenciava que ele fosse embora dali para o asilo o quanto antes.
Assim foi feito.
Um dia comentei com minha mãe (80 a) o que ela achava dos filhos de terem mandado o velho pai para o asilo. Para fazer suspense, contei-lhe apenas metade da história. Desnecessário dizer o quanto ficou injuriada, dizendo-me: “jamais façam isso com o pai de vocês ou comigo”. Falava sério.
Ao saber de tudo, surpresa, inicialmente, calou-se para depois dizer de peito cheio: “sabe de uma coisa, meu filho, ele mereceu isso!”
Paulo Rebelo, o médico poeta