O ARTISTA*

O ARTISTA

Ainda me lembro muito bem.
Eu era criança.
Era uma linda tarde de verão.
O céu azul como nunca.
Águas cor de esmeralda como jamais tinha visto.
O navio fundeado.
Havia um burburinho a bordo.
Centenas de turistas alinhavam-se no parapeito
a bombordo com filmadoras e máquinas fotográficas à mão.
Corpos dourados.
Cabelos soltos ao vento.
Largos sorrisos.
O sol já ameno quase se punha na proa.
Havia uma leve brisa que sussurrava nos meus ouvidos.
Lá embaixo as canoas balançavam ao sabor das ondas encapeladas.

O comandante havia anunciado no alto falante do navio de passageiros “Princesa Isabel” que o prático do Rio Amazonas, nascido na região, faria uma inesquecível exibição, saltando do alto do passadiço à uma altura correspondente a um prédio de 10 andares.

Corri até o passadiço.
Vi a agitação em torno daquele homem.
Muitos não acreditavam naquilo a seguir.
Mal percebi quando ele olhou para mim.
Eu o vi ele saltar como uma flecha embicada para o rio.
Atrás, as centenas de ruídos das câmaras fotográficas, que disparavam freneticamente.

Aquele homem desapareceu no fundo das águas verdes do Rio Tapajós.
O Mocorongo, vulgo Cuiú-cuiú, realizou a sua longa esperada vontade; homenagear o lugar onde nascera, 
Santarém, a Pérola do Tapajós.

Depois do onomatopeico “TCHI-BUM”, fez um longo “OOOH!” dos passageiros, espantados ao mesmo tempo, que maravilhados com aquele inusitado espetáculo a céu aberto.

Fez-se um longo silêncio como num filme de suspense, que se encerrou com aplausos e gritos de “VIVAAA!”, quando aquele homem lá do fundo do rio emergiu.

A minha cabeça rodopiava no ar de tanta alegria. Eu estava orgulhoso. Aquele dia se tornou mágico.
E pensei: “quando eu crescer quero ser igual a esse homem”…

A partir desse dia tornei-me um amazônico de verdade e passar a amar o rio mar.

PAULO REBELO, o médico poeta.

Nota do autor:

Navio fundeado é o navio parado a uma certa distância da margem, com as âncoras largadas no fundo do rio ● Mocorongo é o nome dado ao caboclo da região do Tapajós ● Cuiú-cuiú é um peixe de bico grande ● Passadiço é o deck (nível ) onde localiza-se o comando do navio ● Bombordo é o lado esquerdo do navio ● Proa é a frente do navio.

O narrador é a criança daquela época, o próprio autor do texto e o homem é o seu finado pai, EVANDRO.

2 Responses

  1. Izaque Silva disse:

    Interessante!

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