O ALÍVIO

O ALÍVIO
Por Paulo Rebelo

Às vezes, ainda que tente, não há como evitar não se apiedar com um ou outro paciente.

A mulher na casa dos 35 anos se queixava de pressão “muito baixa”. Tinha tonteiras. Convivia com aquilo normalmente. Já havia perdido a consciência duas vezes. Perdera a conta de quantas vezes havia ido ao pronto atendimento. Nunca foi diagnosticado nada grave. Estava desolada, pois um plantonista lhe disse que era “psicológico”. Mas, por via das dúvidas, lhe disse p q procurasse um neurologista e um cardiologista.

Depois de exames, eletroencefalograma
e tomografia do crânio, nada de anormal encontrando, o neurologista a “despachou” com receita controlada p TAG* .

Ao relatar seu drama e périplo hospitalar, o primeiro diagnóstico se impunha: síncope vasovagal ou síncope neurocardiogênica que se trata de uma ativação inapropriada do nervo vago que faz parte do sistema nervoso autônomo (que não depende de nossa vontade)parassimpático, uma espécie de YING da filosofia milenar chinesa taoista.

À medida que se abria, em poucos minutos, pude compreender a dimensão de sua dor. “Meu DEUS, como é possível?” Pensei.

Passou a falar livremente como se estivesse num confessionário e sem melindres falou de sua vida da qual jamais havia falado para qualquer ser humano, exceto súplicas a DEUS que disse que parece nunca ter lhe escutado.

“A senhora é casada? Tem filhos?” Perguntei-lhe.

Morava com o pai já aposentado e deprimido grave. Ficou órfã de mãe com um ano de idade. O seu pai casou-se de novo para dar à ela uma mãe.

A partir daí passou a descrever, sem entrar em detalhes todo o drama q quando criança e adolescente nas mãos da madrasta. Filha única e sem parentes, não sabe o q é um aniversário seu, um circo, uma praça aos domingos.

Lembra-se das surras, dos castigos, das brigas do casal por sua causa, pois o pai a protegia, mas não tinha forças nem autoridade sobre a mulher e com a sua aposentadoria, mais presente em casa, a crise conjugal aumentou.

O seu relato era destituído de qualquer emoção.
Naquele momento, a consulta não era mais cardiológica; era psicoterapica!

Assistia impassível, pois o que me interessava era curá-la ou aliviar o seu problema orgânico c sofrimento físico, mas havia um gatilho oculto: o abuso infantil.

“O meu pai se sentia culpado por ter ignorado tanto tempo q ela me maltratava. Eu não lhe dizia nada, porque não queria perdê-lo. Eu só tive coragem de falar para ele quando fiquei adulta, mas já era tarde”.

A conversa iria longe nessa toada. Resolvi encerrar com a orientação p tratamento médico e psicológico adequados. O prognóstico em certos aspectos era incerto e iria precisar de acompanhamento para o resto de sua vida, tal a grave natureza do problema. Estava com depressão, também. Já havia tentado o suicídio duas vezes quando adolescente.

Ao final, tendo desabafado para um “estranho”, percebendo q havia melhorado no seu pesado cenho, tirando um peso de si, provoquei: “a senhora semlre fala na sua madrasta no passado. Por que? Os teus pais se separaram?”.

Abrindo um sutil sorriso à la MONALISA, exibindo uma satisfação subliminar, enquanto seus olhos pela primeira vez brilhavam na vida, disse num longo suspiro aliviada:

ELA MORREU!

(Amém!)
💐💐💐

Paulo Rebelo, o médico de corpos e almas.

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