GLÓRIA MARIA, O MORRO E A PICANHA*
GLÓRIA MARIA, O MORRO E A PICANHA
Por Paulo Rebelo
Acerca de trinta anos, assisti uma entrevista dada por Glória Maria, apresentadora e reporter da REDE GLOBO desde a década de 70, que ganhou projeção nacional a partir do período da redemocratização brasileira. Ela já era famosa pela competencia profissional. Bela negra esguia, articulada, inteligente, culta, distinguia-se do estereotipo da preta brasileira muito comum na paisagem urbana do país: doméstica, diarista, passadeira, cozinheira, babá e ama de leite, que amamentou e educou muita criança branca desde a escravidão e depois dela. Nessa época, ainda era incipiente e não explícita a luta racial de hoje, e ela jamais fora uma de suas proponentes, pelo menos abertamente. O povo não a via como um símbolo da causa do preto. Também, que eu saiba, ninguém a discriminava pela cor da pele; era respeitadíssima, sobretudo pela classe e conhecimento. Esteve à frente como âncora das maiores atrações da GLOBO como o FANTÁSTICO e GLOBO REPORTER durante anos a fio. Era uma GLOBETROTTER, tendo visitado mais de cem países. Era bilingue. Entrevistou personalidades importantes do cenário nacional e internacional como Roberto Carlos, Raul Seixas, Carlos Drummond de Andrade, João Batista Figueiredo, Freddie Mercury, Madonna, Michael Jackson, Julio Iglesias, Elton John, Mik Jagger entre outros, respectivamente. Não havia quem não gostasse dela, com exceção do ex-presidente e general Figueiredo, que a achava atrevida e a chamava de “aquela negrinha”.
À época, sua entrevista me marcou profundamente, quando publicamente revelou ao Brasil o seu trauma psicológico há muito tempo guardado: o racismo. Disse que da sacada de seu apartamento no Leblon no Rio de Janeiro, avistava o morro, tomado pela população preta e favelada, vivendo condições indígnas sem água e saneamento adequadas, e essa paisagem desumana lhe perturbada muito emocionalmente, pois contrastava com sua vida de uma mulher preta e “burguesa”, com toda a carga simbólica negativa que isso representava. Comer uma picanha lhe remetia imediatamente ao fato do favelado não ter o que comer. Fiquei penalizado pela sua revelação.
Assim fiquei eu a vida toda desde aí. Agora entendo o seu trauma. É impressionante; todas as vezes que me sento para comer um belo corte assado de carne ao lado de minha família num fim de semana, imediatamente, me vem à cabeça a Glória Maria e sua angustia. Nesse momento, parece surgir um mal estar súbito como se eu mesmo estivesse no lugar dela na sacada de seu apto, tornando aquele meu almoço indigesto, mas logo isso passa; minha grande tristeza não é por atavismo racial, e sim de indignação e raiva por lembrar de LULA, pois se elegeu à base da promessa de “picanha com cervejinha” ao povo na laje de cada barraco no morro.
A minha aflição é de outra natureza; é que sou cristão, sendo lembrado por Cristo a todo instante de ter piedade, compaixão, misericórdia e respeito pelo próximo, independentemente, de sua cor, orientação sexual e condição social.
Ao não ter cumprido o que prometeu, ironico e descaradamente, LULA disse em rede nacional, para espanto de todas as pessoas de bem, exceto da intelligentsia petista e acólitos, bem representados vistosamente pela classe artística, parte da mídia, blogueiros vendilhões e educadores utópicos, sob silêncio sepucral, que a picanha com cervejinha, pasmem todos, era só uma “metáfora”, uma figura de linguagem, veja bem, como se o povo com fome soubesse o que é isso.
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Paulo Rebelo, o poeta da Linha do Equador.
P.S. Diga-me, por que haveria eu de passar mal, enquanto como minha picanha com cervejinha, se trabalhei para isso?