CORPO FECHADO*

CORPO FECHADO
Por Paulo Rebelo

Eu tive inúmeros pacientes que me marcaram, quer pela bela personalidade, quer seja pela sua difícil condição médica. Tive alguns pelas duas coisas e quando isso acontece, é algo de grande aprendizado profissional e humano.

Um desses pacientes, sempre alegre e piadista, num exame rotineiro cheguei à conclusão que ele apresentava um problema cardíaco preocupante; acabou sendo encaminhado para o cateterismo cardíaco que demonstrou que o seu caso clínico era grave; ele tinha que ser submetido à cirurgia de ponte de safena o mais breve possível. Mas, inicialmente, surpreso e depois confiante por não sentir absolutamente nada, ele não quis nem pensar nisso, dizendo que sua fé iria curá-lo.

Todavia, resolveu levar a sério os seus problemas e passou se cuidar mais da hipertensão e do diabetes, controlando o peso, de fato, tendo visível melhora do ponto de vista de exames laboratoriais, dando-lhe a falsa impressão que estava curado.

O tempo passava e a ausência de sintomas me intrigava; “como esse homem está vivo?” Eu suava frio cada vez que vinha ao consultório. Mas, ao mesmo tempo, agradecia a DEUS dele não estar sofrendo.

E, eu lhe dizia brincando: “meu amigo, esses teus santos são fortes mesmo; o teu corpo tá “fechado”! Mas, tu és um atacante perigosíssimo… Para fazer gol contra. A marcação em cima de ti deve ser cerrada!”

Ele era Pai-de Santo, muito requisitado pela sociedade local, principalmente, abastada. Eu me divertia quando ele comentava os pecados de seus “pacientes”, sem revelar seus nomes, claro.

“Doutor, não acredite nele; ele está fumando e muito”, disse a filha indignada!

Arregalou os olhos: “Mentira dela, doutor,eu não, as entidades que eu incorporo, sim!”. Risada geral.

Anos depois, numa manhã, ele volta ao consultório pálido, com dor no peito, suando frio, taquicárdiaco e hipotenso. Estava tendo um infarto desde o dia anterior. Seu rosto mudou; estava preocupado e entristecido. Falava pouco

A sua internação foi rápida. Providenciado um novo cateterismo cardíaco para reestudar as coronárias.

Disseram os familiares que ele estava muito bem com a medicação prescrita; ele comeu, conversou, ele fez novos planos e juras que iria mudar e depois de algum tempo, cansado de tanto falar, pediu licença à esposa e filhos, agradeceu a Deus e a todos os santos por tudo que lhe fora dado em vida, deitou de lado, suspirou profundamente e como um velho passarinho, morreu.

Paulo Rebelo, o médico poeta.

P.S. A imagem é apenas exemplar.

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