AI DE MIM!*

AI DE MIM!

Por Paulo Rebelo

Ai de mim esquecer dos amigos, pois não gostaria de ser como a maioria atribulada demais para se importar com os outros, subestimar os inimigos,
bajular estranhos para conseguir afagos e vantagens indevidas ou imorais,
ter sido oportunista e fisiologista alguma dia.

Ai de mim ter sido um arrivista.
Jamais!

E digo mesmo aos amigos: “não venham me visitar somente na hora de meu enterro ou querer carregar o féretro como tributo final, pois sou capaz de levantar de meu leito de morte e revoltado, pedir que vocês se retirem; chegaram tarde; que vão afagar seus sentimentos de culpa e arrependimento nos psicólogos e nos bares! Que vão fazer seus discursos nos palanques políticos bem longe de mim!” Muitas vezes liguei e estavam sempre ocupados. Nem para dividir meus problemas tive um ombro amigo. Não retornaram minhas ligações nem para perguntar: “o que foi? Estas precisando de mim?”

Sim, sim, eu sei, cada um com seus problemas. Entendo! Eu mesmo, muitas vezes, esqueci de meus amigos e fui incompreensível com meus amados. Difícil admitir. Perdão!

Olha, mas é duro ter que escutar palavras retumbantes, mas vazias e que não aplacam a minha dor de ter sido negligenciado por quem dizia que me amava, apenas para lembrar quem sou ou fui. Ser louvado agora, pergunto: agora por que, para que isso?

Deus sabe quem sou eu!

Assim eu digo: acordem! Por que não têm tempo sequer para si, família e amigos? E lamuriados, pelos cantos, vivem a se perguntar por que não são compreendidos, não são amados; por que tanto desprezo e indiferença? Ué! Perguntem aos seus queridos amigos, mulher e filhos! Terão a pungente resposta.

Ai deles! Antes de mim,
mal sabem que já estão sozinhos. Somente tentei alertar.

Ai de mim, ter feito o que fiz, contribuindo para esse afastamento. Não sou santo, mas longe de mim, um demônio!
No esplendor da juventude ter me achado invencível, intocável e ladino, cometido pecados dos maiores aos menores, crendo que pudesse sair incólume…
O que fiz foi um misto de ignorância e maldosa inocência. Juro, não foi intencional, mas tudo tem seu preço.

Custei a perceber .

AI DE MIM!!!

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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