ACAREAÇÃO*

ACAREAÇÃO 

Crônica de Paulo Rebelo

Uma das situações mais pitorescas vividas na prática médica é a presença da acompanhante do paciente na consulta, geralmente, provocada pela sua mulher que costuma falar tudo o que está ocorrendo com o companheiro, ao contrário do homem que, com frequência, deixa de informar coisas importantes para a compreensão de seu caso, curiosamente, por receio de se tratar de algo grave.

É notório que a mulher é mais assídua nos consultórios médicos. É um fenômeno mundial. Ela se trata mais, pois tem medo inconsciente de morrer, pois traz para si enormes responsabilidades. Cuida dos filhos e até dos pais na velhice. Ela não pode adoecer; exageradamente, é quase que insubstituível. Quem cuidaria de todos senão ela? Deus acertou quando criou a mulher. Ela é um anjo na terra. Já o homem é o inverso; só vai ao consultório médico “na hora da morte”. Tem uma autoconfiança excessiva, negligenciando a sua saúde. Ele não tem o mesmo zelo por si, dando a impressão que a mulher é quem tenha que cuidar dele, também, como se fosse a própria mãe. 

Faz parte do anedotário médico que a sua mulher está ali para “entregar o cara”, um “dedo duro” do bem. Ela é uma pessoa muito importante para o sucesso do tratamento, também. Mas, às vezes, o homem ao ser “encurralado” durante o atendimento, a consulta fica mais para uma “acareação” numa delegacia de costumes, pois o homem passa a dar o troco na mulher, acusando-a de seus erros; o médico torna-se o delegado de polícia! Mas, de um modo geral, o balanço é positivo. Brinco dizendo que o “suspeito” é o homem; é ele quem está sendo consultado. 

Eu tive um paciente na casa dos sessenta anos que, segundo ele (eu não lembrava), eu o havia tratado de um grave problema de coração e que dizia estar muito bem com os medicamentos que lhe havia passado há alguns anos e ele estava ali na consulta para me agradecer e sobretudo, me fazer um pedido que esperava que eu o atendesse. 

Dizia que durante sua vida, havia feito “tudo o que o diabo gosta”, mas que estava “regenerado”. Sua esposa torceu o bico, dando um risada de ironia.

“Doutor”, disse ele. “Minha netinha, a Ana Carolina, vai fazer 15 anos, agora no dia primeiro, então, eu gostaria que o senhor me liberasse para tomar APENAS uma taça de champanhe. É só o que lhe peço”.

Cocei a cabeça. A mulher franziu a testa. “Olhe, ele não é confiável, doutor”.

Até três latas de cerveja, um taça de vinho, uma dose de uísque ou cachaça, teoricamente, se bem medicado e sem cometer excessos, inclusive, na alimentação, o indivíduo pode fazer uso da bebida alcoólica em caráter social.

A avaliação médica demonstrava que, de fato, medicado ele estava clinicamente bem. “O senhor pode aproveitar o seu momento de alegria e felicidade ao lado da família, desde que não se exceda”, disse. Assim ficou acordado. Foi o que pensei.

Alguns meses se passaram quando volta o casal. Logo me lembrei dele. Ele, macambúzio, ela, com a língua coçando. A pressão estava descontrolada há tempos, por isso estava ali.

“O que houve, seu Adalberto? E o aniversário da neta?” Perguntei-lhe. E, antes mesmo que o pobre homem respondesse, a mulher logo disse:

“Eu lhe avisei; doutor, sabe quando o senhor liberou ele para beber só aquela taça de champanhe nos 15 anos da nossa netinha? Pois é, doutor, ele bebeu TODAS!”.

🤣🤣🤣

Paulo Rebelo, o médico poeta.

Leave a Reply

Deixe o seu Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *