A VISITA MÉDICA*

A VISITA MÉDICA

 

Eu ainda era acadêmico de medicina quando o meu pai me pediu para que eu visitasse no hospital um grande amigo seu na casa dos 75 anos, que estava com câncer disseminado (não sei por que meu pai achava que eu já era médico). Advertiu-me, entretanto, que eu não lhe dissesse nada, pois ele desconhecia a sua condição terminal.

A sua dedicada esposa me recebeu e me fez aguardar na antessala, enquanto ele recebia os cuidados da enfermagem.

Mas, depois que a enfermeira saiu, eu esperei muito além do que imaginava. Não conseguia imaginar o porquê.

“Pode entrar, doutor Roberto”, disse a mulher. Vi um homem de ralos cabelos brancos penteados com um leve sorriso, entremeado com a satisfação de ver o filho de seu grande amigo, o meu pai, quase médico. Ele estava sentado, levemente perfumado, de pijama verde claro, sandálias de couro e de dedo, unhas com esmalte de base. E para esconder o seu aspecto anêmico, sua esposa passou-lhe um “blush” no rosto e batom vermelho-claro nos lábios.

E ao cumprimentá-lo, apertando-lhe as mãos que a despeito de trêmulas e frágeis, demonstravam afeto, respeito e dignidade, sorrindo disse-me:

“Doutor Roberto, perdoe-me por tê-lo feito esperar”. E com o seu habitual bom humor, perguntou-me: “o senhor sabe por que demorei em lhe receber?”.

Balancei negativamente a cabeça

Ao que me respondeu:

“Estava no camarim me aprontando. É que um grande ator só deve entrar em cena quando estiver preparado!”.

Acredite, agradeço-lhe por esse inesquecível momento e essa sua frase tornou-se emblemática na minha vida, permeando o meu relacionamento médico-paciente até os dias de hoje.

 

Paulo Rebelo, o médico poeta.

 

 

 

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