A VISITA*
A VISITA
Atendia uma senhora na casa dos seus 70 anos visivelmente mal tratada pela vida que levava. Naquele dia, mais uma vez, ainda que buscasse não ficar contrariado com sua aparente desatenção e descaso com a sua consulta, isso era difícil. Sempre vinha desacompanhada e, com já alguma dificuldade auditiva e visual, falava muito pouco, baixo e em solilóquios, queixando-se de intermináveis e insondáveis dores variadas no corpo, sendo muito desagradável repetir-lhe três ou quatro vezes o que ela deveria saber ou fazer quanto ao seu diagnóstico, seus exames e, principalmente, tratamento. Isso me deixava desconcertado.
Como que para se proteger, a sua desculpa invariavelmente reticente era que os seus quatro filhos estavam sempre muito ocupados para vir para a sua consulta.
Entre outras coisas, iniciado o tratamento com antidepressivo, após trinta dias aproximadamente já esboçava um leve sorriso e passou a se abrir sobre sua vida. Viúva, no fundo sentia-se solitária e abandonada pelos filhos com os quais pouco falava, mesmo morando todos na mesma cidade. Isso a estava matando pouco a pouco.
Fui tomado por um sentimento de auto censura, piedade por aquela pobre criatura. Como médico, nessa hora, o que fazer além de escutá-la? Passei a desenvolver empatia. Passei a dar-lhe mais atenção, pois agora que estava mais solta. Com o tempo, logo percebi que eu era ainda uma das poucas pessoas com as quais ela se apegara, como num rastilho de pólvora para manter a esperança de que valia a pena viver. À sua estranha maneira de ser ela buscava valorizar aquela consulta, estendendo-a ao máximo como podia, para mim mera rotina, que parecia ser a visita à casa de um grande amigo que tivera um dia…
Paulo Rebelo