A VIDA DE MÉDICO*
CONTO MÉDICO: a vida do médico como ela é
Aquele era mais um dia de trabalho como outro qualquer. Como sempre, ele fazia o seu café da manhã na padaria. Nesse dia subitamente sentiu um forte abalo no peito, seguido de palpitações. Passou a sentir uma terrível sensação de falta de ar. Tossiu com força, prendeu a respiração, caminhou para lá e cá e nada! Percebeu que piorava; tinha náuseas, sudorese fria. Um conhecido lhe disse: “Meu Deus, o senhor está pálido!” Não sabe dizer exatamente como chegara à UBS, pois só sentia como se a morte estivesse chegando. Inicialmente, não conseguiu medir sua pressão nem pulso. O médico julgou que fosse por alguma dificuldade qualquer, mas nem ele mesmo pôde fazê-lo!
O jovem negou que tivesse ingerido bebida alcoólica, que usasse droga ilícita ou tomado qualquer medicamento. Não havia história de doença cardíaca na família. Dizia que andava estressado e ansioso.
O médico parou para pensar diante da gravidade do caso e que não estava na emergência de nenhum grande hospital. Parecia que ele mesmo não estava bem naquele dia. Pensou: não havia medicamento adequado ali. Absorto, o rosto severo de Hipócrates lhe surgiu claramente à mente. Disse-lhe a imagem bem ao seu lado: – “Aplique-lhe a manobra de VALSALVA! VAL-SAL-VA!” O paciente já agora agonizava com a pressão arterial inaudível e frequência cardíaca mais rápida do que a de um beija-flor. Sua cor era cérea e sua pele fria e pegajosa. Estava em estado de choque, denunciando a morte iminente. A massagem do seio carotídeo não surtiu o efeito desejado. Então, o médico falou alto para que o paciente deitasse na posição supina e que trouxesse as suas coxas fortemente abraçadas ao encontro do peito. Era a uma manobra vagal. Depois de poucos segundos, como tendo dado um reset no computador, nem o próprio médico acreditou quando o ritmo cardíaco voltara ao normal e com PA igual a 120 por 80! Como num passe de mágica, parece que tudo havia sido completamente irreal.
O olhar de admiração e respeito de todos ali, o choro copioso do paciente, entrecortado de declaração espontânea e sincera de “muito obrigado, doutor!”, dita várias vezes, demonstraram que não havia sido um pesadelo; havia um visível ar de alívio geral. Em silêncio, encheu-se o médico de um orgulho pessoal contido e solitário.
No corredor, mal tendo tempo para refletir sobre o acontecido, pensou: “UFA! Graças a DEUS!” Pensou em HIPÓCRATES, quisera agradecer à Antonio VALSALVA, médico da idade média que concebera a manobra clínica, pensou naquele desconhecido que não gravara o seu nome e que este não pôde sequer perguntar o nome do médico que o havia salvo. Pensou nos seus pais, na sua profissão, na esposa e filhos, pensou em si mesmo, ele mesmo um desconhecido para muitos… Tudo girou. Por fim, recompondo suas forças, disse para si: “Isso é obra do CRIADOR. Sou apenas LUCAS, o SEU servo. É mais uma MISSÃO CUMPRIDA apenas!”.
Parecia querer espichar para mais longe seu pensamento enquanto levitava, quando ouviu a enfermeira dizer candidamente, mas em tom firme: – “Desculpe-me, doutor, é que a dona Florentina está com a pressão muito alta! Deixe para descansar mais tarde”.
Seu cafezinho já esfriara. Mal havia sentado enquanto respirava fundo, se levantou, contou até três e pensou resignadamente, mas confiante: – “Mãos à obra!”.
Por Paulo Rebelo 2014