A SOPA*
Eu passava uma visita médica rotineira no fim de tarde, quando ouvi gemidos e gritos vindo de um dos apartamentos da clínica médica do hospital. Abrindo a porta vi uma senhora em pé, na casa dos 60 anos, ao lado de um senhor acamado e imóvel. Vi que ela forçava-lhe a abertura da boca com a colher para que ele comesse a sopa que derramava-lhe pelo mento e peito.
Gritei: “minha senhora, o que a senhora está fazendo?” Assustada, parou. Baixou a cabeça, pôs o prato de sopa de lado sobre a mesa.
Recomposta, olhou-me e disse: “perdoe-me doutor, parece estranho, mas eu não mereço isso. Eu fui muito infeliz ao lado desse homem que a vida inteira me me maltratou e por fim, há muitos anos me abandonou com filhos por causa de outra mulher”.
Ele parecia escutar e compreender tudo ainda que estivesse afásico, pois tinha tido um AVC que o deixava mexer os olhos apenas . E então, surpreendentemente, lágrimas rolaram de seus olhos
Revoltada, fitando-o na cara, perguntou alto: “estás chorando por que, seu desgraçado?! Por ti, chorei muitas vezes de dor, mas teu choro agora é de remorso! Não tenho nenhuma pena de ti. Só DEUS sabe o que fiz para não morrer”.
E prosseguiu: “cadê as quengas pelas quais tu trocaste a tua família? Por que elas não estão aqui para te cuidar de ti? Sabes por que? Por que agora tu não tens nada, não vales nada!
“Tenha calma”, disse eu. “A senhora não tem quem lhe ajude?”
“Não, os meus filhos guardam nenhum amor por esse homem. É só eu e DEUS. Não mereço isso!”
A situação parecia não ter fim. Dizer-lhe o quê? Recorri à enfermagem.
Desalentado e meio sem jeito, despedi-me desejando-lhe boa sorte.
A caminho de casa, pensei na minha própria família…
Paulo Rebelo