A SINA*

A SINA
(Ou o canteiro de flores)
Por Paulo Rebelo

Aos poucos,
Assim vou me acabando.
O tempo desfilando
Diante de meus olhos,
Desafiando-me,
Indiferente,
Insensível
Ao sofrimento
Humano.

Indisfarçável,
Segue cursando
Seu caminho
De becos sem saídas
E encruzilhadas
Numa longa
E tortuosa estrada.

Às vezes,
Ora sóbrio
Ora insano,
Empurrando-me
Adiante,
Numa constante.

Quisera pausá-lo…
Mas, não há interruptor.
Nem bloqueios
Não tenho o comando.
Nem os arreios.
Eu,
Do tempo,
Nunca fui senhor.

É que o tempo
É um inconsequente
Que leva tudo consigo,
A dor,
O amor.
Inclemente
Parece ditador.

O tempo
Evapora a vida;
É uma sina
Que martiriza.

Assim,
Irrefreável,
Que nem águas à jusante do rio,
Lentamente,
Escoa minha existência
Por inteiro
Para um dia
Num jazigo,
Quem sabe,
Como piedade final,
Alimentar as frágeis flores
Do meu modesto canteiro.

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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