A SEPARAÇÃO*
A SEPARAÇÃO
Por Paulo Rebelo
A salvação é individual,
portanto o máximo
a fazer é ajudar o indivíduo a encontrar a porta da saída.
O drama é pessoal,
ainda que muitos sejam “iguais” entre as pessoas.
Mas a forma de reagir é idiossincrásica ou seja “personalizada”, sujeita à tantas variáveis que parecem complicar mais a situação.
Então, diante da pessoa que sofre emocionalmente,
só cabe ao médico escutar e pacientemente conduzir a consulta, como se fosse assenhorada pelo paciente, deixando -o à vontade.
Porém, quando as manifestações psicológicas são reflexos de um desmoronamento da psiquê, é hora de intervir. É o que relato a seguir.
Atendi uma jovem mulher sem filhos e de uma beleza convencional. Apresentava queixas abundantes de sintomas físicos cardiovasculares e pulmonares como palpitações, dor no peito e falta de ar e ainda sinais dermatológicos vários de sofrimento, como equimoses nos braços, tronco e coxas como se tivesse sido espancada e queda de cabelo (muitos), não causados por uma doença orgânica aparente, mas sim de natureza já psiquiátrica.
Fora atendida por duas ou três vezes no pronto atendimento sem sucesso.
Parecia-lhe sempre o fim do mundo. Acreditava que iria morrer a qualquer instante tal era a intensidade dos sintomas.
Havia nela um compêndio de transtornos mentais como ansiedade generalizada e pânico, depressão e psicose que, num primeiro momento, evitei falar.
A razão foi a abrupta e traumática separação do marido, algo muito comum, hoje em dia. Sentia-se culpada.
Havia dias que não dormia, não comia, não falava mais com ninguém; só chorava a cântaros, “pensando em fazer uma loucura”.
Assim que pôde, começou a falar com lágrimas nos olhos, mas com melindres. Subitatamente, fez uma longa pausa. O seu olhar era vago e perdido e buscando forças para continuar, respirou profundamente e disse:
“Doutor, a coisa que mais me maltrata e martela na minha cabeça até agora é que meu ex-marido me disse no momento em que saiu de casa:
“ELE é muito melhor do que tu”.
Arregalei os olhos.
“Sim, doutor, foi o que eu disse-ELE; o senhor me entende?”
Fui tomado de alguma surpresa e engoli seco, mas por respeito, mantive a fleuma.
Havia tanta vergonha nela que não tocou mais no assunto até o final da consulta e nem eu insisti. Havia um misto de ódio e profunda tristeza.
Sem dúvida, agora ela esperava apenas o tratamento medicamentoso que acabasse com o seu sofrimento físico.
Ao contrário do que imaginava, sua doença não era do coração físico, mas do coração emocional. Foi o que lhe disse.
Além dos medicamentos para controlar a arritmia e a pressão arterial, a base de sua medicação era psiquiátrica. Relutou em aceitar os medicamentos controlados, o “tarja preta”, alegando “que não estava louca”. “Antes que a senhora fique, tome!”, disse-lhe (O seu caso era para um psiquiatra).
Após quinze dias aproximadamente voltou para me dizer que estava bem melhor, com quase sem sintomas e que eu havia salvo a sua vida, pois ela “conseguia pensar”.
Agradeci. Havia um certo exagero aí.
Paulo Rebelo, o médico de corpo e de almas.