A REGRESSÃO*
Atendi um homem na casa dos quarenta e poucos anos. Era careca, baixo e atarracado. Era um homem simples, sabendo verbalizar o que sentia. Era um pequeno empresário. Parecia ser um caso comum.
Iniciou o relato de seu périplo pelos consultórios médicos e até igrejas evangélicas e que ninguém resolvia o seu caso. Ainda que resoluto, demonstrava um misto de decepção e tristeza, beirando resignação. Assim, ele resolveu tentar mais um médico: eu.
Alguém já tinha lhe dito que seu problema era psicológico, rejeitando bruscamente, o que contribuiu ainda mais para o agravamento do caso, dado à presença de fortes sintomas cardiovasculares, como palpitações e falta de ar, sempre nas primeiras horas da madrugada, quando a partir da aí não conseguia mais dormir bem com o “medo de morrer”. Até a sua família próxima e distante estava adoecendo de preocupada.
Dizia que agora é que sua vida estava boa, em vista do que havia penado como retirante nordestino. Estava bem casado com filhos e à frente de uma atividade econômica que lhe rendia uma vida financeira folgada e cômoda e diante disso, me perguntou:
“doutor, como é que podem dizer que é psicológico se minha vida é boa? Eu não tenho problemas”, arrematou.
Nessas horas, pensei: “nem Cristo! Impossível um ser humano não ter problemas; o pobre homem nasceu e morreu perseguido, crucificado”.
Disse que estava disposto a fazer ou repetir todos os exames necessários. No fundo, não havia tanta necessidade pelo que me mostrava, mas diante de sua aflição, concordei.
Após anamnese e exame físico normal, passei-lhe um tranquilizante noturno e pedi que retornasse com exames após quinze dias.
Como era esperado, nada extraordinário foi achado. Dizia que havia melhorado muito, mas que não estava “cem por cento”. Nesse dia, falou muito de sua sofrida vida quando criança e pré-adolescente. Nunca passara fome, mas passou por muitas privações a ponto de nem querer lembrar, mas não entrou em detalhes.
Assim, finalmente, aceitou buscar ajuda psicológica, mas percebi que o seu caso era para tratamento psiquiátrico; transtorno de ansiedade e transtorno do pânico.
Antevi mais rejeição pela frente, pois a maioria das pessoas dizem não ser loucas e ao protelar o tratamento, piora a enfermidade e sendo assim, já que ia à Belém, encaminhei-o a um colega médico bem mais velho do que eu na época e que por causa de sua própria condição clínica, aboliu a atividade médica intensa (ele havia tido um infarto do miocárdio que lhe deixou sequela) e, portanto, trabalhava com uma medicina mais humanizada, entre elas a terapia de regressão psicológica, algo que o próprio paciente sugeriu fazer, porque alguém lhe disse que era bom. Na época, era moda fazer “terapia de regressão” ou “de vidas passadas”.
Pessoalmente, como homem da ciência que, por natureza, é ortodoxa e conservadora, não sou adepto a essa abordagem clínica, mas tendo uma “aura psicológica”, eu o incentivei que fizesse para quebrar sua resistência quanto à sua necessidade de tratamento psiquiátrico futuro.
Apenas lhe solicitei que retornasse com um relatório do médico, o que não trouxe por que nunca mais voltou, exceto para dizer pelo telefone à minha secretária que estava bem. Com o passar do tempo eu o esqueci completamente.
A causa aparente de seu transtorno psiquiátrico era o abuso sexual que havia sofrido quando criança por parte de seus amiguinhos e primos mais velhos que lhe faziam de “menina”, por ser o mais novo e o mais fraco de todos, foi o que, ocasionalmente, anos depois me confidenciou o meu colega médico que o atendeu e que acabou falecendo por morte súbita pouco tempo depois.
Paulo Rebelo