A RECEITA*
A RECEITA
A sala de espera do consultório do médico estava apinhada de pacientes. Isso era algo comum, porém para sua surpresa, estava mais agitada do que o normal. Não necessariamente significava mais dinheiro e sim, trabalho dobrado. Havia um motivo extra para isso:
muitos já sabiam; dia 25 de fevereiro de 2015, dentro de quinze dias, o médico completaria trinta de cinco anos de casados, além do que, coincidindo com o jubileu de igual tempo de profissão, decidira tirar férias depois de muitos anos. Por isso, o povo teria aproveitado para vir antes de sua viagem.
A velha senhora falava alto na sala de espera do pequeno consultório do médico. Era meio surda, ele soube, daí falava como se ninguém ou ela mesmo não escutasse.
Acrescentava dramaticidade aos seus problemas clínicos como a artrose, a catarata, o diabetes e, principalmente, a pressão alta.
Dizia para quem quisesse escutar que o remédio da pressão prescrito por aquele médico não estava fazendo nenhum efeito e por isso estava cansada de procurar o pronto socorro.
O atendimento transcorria normalmente, mas ele estava visivelmente incomodado pelo falatório da mulher do lado de fora. Dava para o médico ouvi-la dizer: “além do doutor ter me passado um remédio “carissimo”, ele não presta!”
Do consultório, o médico liga para a recepção: “Creuza, pelo amor de DEUS, passa essa mulher na frente antes que ela espante a toda clientela. Tá dizendo que tá passando mal com o meu medicamento. Vocês não tão ouvindo o que ela está dizendo?”
Ao vê-la, prontamente a reconheceu, mas ficou intrigado. “Ué, não lembro de ter-lhe passado nenhum medicamento. Deve ter se confundido”.
Perguntou alto mais uma vez: “o que a senhora está tomando?” “Remédio da pressão”, respondeu. “Sim, eu sei, mas que remédio?”.
“Não tá escrito aí? É aqueles comprimidos “jititos”, branquinho da caixa mais ou menos grande”, respondeu. “Meu DEUS, como vou adivinhar, pensou. A senhora não tem a caixa aí na bolsa?”
“Cadê o prontuário dessa mulher?”pensou em perguntar para a Creuza.
Para desespero do médico, cujo atendimento já estava atrasado, ela abriu sua bolsa ejogou tudo o que tinha dentro sobre sua mesa e no seu ritmo, entre vários documentos aparentemente sem nenhuma importância, catou um e estendeu ao médico.
“Veja se é essa?”
“Ah, eu não acredito! A senhora está tomando o meu mesmo medicamento? Como a senhora consegui aviar essa prescrição? Isso pode explicar o porquê da senhora estar com a pressão mal controlada”.
A receita do médico estava amarelada e velhinha. De tanto dobrada e redobrada, estava remendada nos vincos com fita DUREX já seca.
Alegrou-se. “Eu não errei”, pensou aliviado.
A data exata de sua última visita tinha sido em 25 de fevereiro de 1998! Havia exatamente dezessete longos anos.
O médico não podia se aborrecer com aquela mulher. Sorriu e disse-lhe: “ainda bem que a senhora não esqueceu de mim!
Agora, pela senhora, meus filhos já teriam morrido de fome!”
Arregalou os olhos. “Por que, doutor?”
Assim, ao saber de tudo, o povo lá fora caiu na gargalhada. Ela mesmo se encarregou de fazer a piada.
😁😁😁
Por Paulo Rebelo, o médico poeta.