A ODISSEIA*
CERRADO-GO
A ODISSEIA
Texto por Paulo Rebelo
Ao vir ao mundo,
Sem que soubesse abençoado,
Vim dos céus,
Saído do ventre materno.
Como num caminho já traçado,
Em meio à festas,
chorei pela primeira vez!
Estava predestinado a ser feliz.
De minha tenra experiência de vida,
relembro agora
meus primeiros passos e quedas.
Quando sorrindo, disse: “mãe”.
Andando de bicicleta,
cai.
E aí, gritei por ele: “pai!”.
Um dia já crescido,
subi em árvores,
colhi mangas, jambos e sapotilhas.
Pulei muros,
empinei pipas e joguei peteca.
Fui picado por marimbondos,
nadei em riachos,
banhei-me em cachoeiras.
Andei na mata,
e assim, escondido, dei meu primeiro beijo furtivo!
E nessa vida,
sonhei muito!
Ah, como sonhei.
Eram sonhos ainda pueris
que me faziam voar.
Ir de foguete lá para o espaço sideral!
Levaria comigo o meu cão “MILU”.
Eram tão verdadeiros meus sonhos.
Todavia, ninguém parecia me levar a sério
em meus sonhos tão reais.
O tempo foi passando
Fui adquirindo musculatura para lutar,
para flertar com o perigo.
Desafiei coleguinhas
no vilarejo e no colégio.
Continuava sonhando.
Eram agora sonhos aventureiros.
Mas, já pensava!
Havia alguma lógica mesmo que fantasiosa.
Assustei-me com a maturidade precoce do sexo oposto.
Meu primeiro grande amor!
E a minha autoconfiança
surgida em meio à ignorância,
nesse amor, desiludido, desabou.
As primeiras raivas e mágoas.
As primeiras lágrimas sentidas.
Foi um duro auto aprendizado.
Ainda assim sobrevivi.
Contudo, foi como aterrar um poço sem fundo
Um beco outrora sem saída…
Fortalecido na dor,
às cegas, abrindo picada na floresta,
fui fazendo meu caminho.
Audaz, dispensando o mateiro,
bebendo água da chuva,
guiando-me pelas estrelas.
Tornei-me caçador.
Um promissor arqueiro e atirador.
E não me perguntes o porquê
Talvez, tu, mais experiente do que eu sabias a resposta…
Muitos já fizeram o mesmo caminho,
muitas vezes, ida e de volta.
Conheces a vida melhor do que eu.
De minha parte,
do por que tanta energia incontida,
tive eu tanta ousadia,
tanta criatividade e rebeldia?
Em meio a ebulição de tantos sentimentos
contraditórios,
tanta inconformidade,
todavia, tão pouca sabedoria.
Fui incauto e imprevidente.
E, assim, baixou o frio da noite,
Pegando-me desprevenido.
Às vezes, quis eu regressar ao calor do ninho materno.
Não havia mais retorno,
Era uma passagem só de ida.
Porém, disse aos meus pais: “partirei para desbravar o mundo.
Um dia voltarei!”
Assim, segui adiante.
Agora crendo-me forte,
dizendo-me confiante.
Como invasor, tornei-me do mundo um posseiro.
Eu era jovem e destemido;
então, um sonhador.
Pois, sonhei que o mundo era somente meu.
Que o sol brilhava mais sobre mim,
que a luz do luar iluminava meus amores,
que as águas termais aliviariam minhas dores.
Que seria invencível,
que teria mil amores.
O mundo me pertencia.
Era um aventureiro,
desbravador.
Não era usufruto.
Era mesmo posseiro!
E meu mundo parecia mesmo o paraíso que eu pintei em canvas exclusivas.
Havia campos verdejantes, pássaros, rios, lagoas e igarapés com peixes e caça em abundância, onde pude comer, cochilar sob a sombra de árvores frondosas e frutíferas e dormir sob as estrelas que velavam o meu sono, enquanto enamorava-me de sereias.
Então, exilado numa ilha deserta,
relaxei até cansar-me ao enfadonho.
Porém, em algum momento,
absorto com a riqueza do mundo,
em devaneios mil,
poderoso,
distraidamente, por puro desleixo
ou confiança excessiva,
tropecei numa dessas armadilhas
E cai ribanceira ladeira abaixo e me feri quase que mortalmente.
Lá adoentado, febril e delirante,
por dias e noites, ouvi ruídos da flora e da fauna.
Assolado por assustadoras pragas e animais selvagens
que me apareceram durante um longo período e protegi-me como pude.
Com receio, atirei.
E atirei muitas vezes até esgotar a munição.
E confesso, faminto e em pânico, matei para não morrer.
Tive medo, sim.
E a dor do medo e do arrependimento,
mortificam-me,
atormentando-me até hoje.
Pois, quem diria, no desespero,
sentindo-me ameaçado,
atirei à esmo.
Por necessidade absurda,
matei seres vivos em vão,
sem querer, perdão!
Que me pareciam inofensivos,
morreram inocentes.
E perguntei para DEUS e à minha consciência já obnubilada e corroída,
se minha vida doravante seria assim:
repleta de acidentes, imprevistos, assombrações e dores insuportáveis para um só homem.
Logo eu o caçador quando, dessa vez, acuado, me senti caçado.
Perdi o domínio de mim mesmo
e da situação.
Até cogitei ter errado o percurso.
Não é difícil imaginar quem tenha já passado por isso, também.
Orei a DEUS,
pedi por SUA misericórdia.
Que ELE, mais do que uma nova chance para viver,
desse-me, sim, uma NOVA VIDA.
Sinto que amadureci bem mais rápido do que envelheci.
Carrego essas claras cicatrizes na alma!
E caminhando pela mata úmida,
refletindo sobre minhas lutas e duras provações,
do alto colina avistei lá distante no horizonte,
o CABO DA BOA ESPERANÇA, a minha esperança, projetando-se para o mar
e para lá apressei o passo e,
de coração apertado e palpitando de tanta emoção e saudade,
reencontrei meus pais, familiares e amigos
que vibrando, saudaram-me com regozijo, dizendo:
“Por DEUS, enfim, regressaste!”
Paulo Rebelo, o médico poeta 2018