A MENTIRA*

A MENTIRA

A mentira sempre existiu.
Nasceu com o homem,
Dentro do homem desde que surgiu.

Parece que tinha que ser assim,
Senão não seria o homem.

Algo como viver é mentir;
mentir é viver.

Não sei exatamente quando passei a mentir.
Tinha um sabor estranho.
Anestesiava e entorpecia.

Não lembro a primeira vez em que deixei de ser sincero.

Depois da mentira, nunca mais fui o mesmo.
Deixei de ser honesto até comigo mesmo,
até para agradar terceiros.
Menti para o maior amor de minha vida.

Sinto ter sido confrontado como num susto,
um beco sem saída.
Uma frase saiu de repente de minha boca;
então, para fugir da verdade, eu menti.

Apenas sinto na alma a dor da mentira até hoje;
a mentira inicial,
a fonte do pecado original,
onde depois dela,
tudo virou palco,
a vida como ela é;
para viver nesse mundo,
a mentira é como uma ilusão.

Cheguei a pensar que a mentira fizesse bem,
Pois é a ajuda para empurrar os problemas adiante,
Ganhar algum tempo até que a mentira caia no esquecimento
ou que se torne uma disfarçada e inócua verdade.

Porque depois dela não mais parei de mentir.
Ainda que machuque,
a mentira alivia a dor da verdade.
Como um drogadicto irrecuperável;
um alcoólatra que nega que bebe o álcool etílico.

Um dia passei a mentir para as pessoas, de inimigas às amigas, estas as mais caras para mim e então por que não mentir para o mundo inteiro?

Pensei: “ele não me disse tudo quando nasci e me escondeu muitas verdades.
Sim, não me mentiu, escondeu a realidade de mim.
Criou-me ilusões”.

Pensei que a mentira fosse o fim do mundo,
Para muitos a saída. Esse é o paradoxo.

A dura realidade mata. É impossível ao homem enfrentá-la. Em algum momento o homem mente como quem cansado cochila.

O mentira é a sombra,
a mentira esconde-se nela.
É um escudo.
É um remédio sintomático;
não cura o que a provocou.

Apenas alivia temporariamente a dor que outras mentiras maiores provocam, enquanto o homem morre lentamente sem experimentar a Luz da Verdade.

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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