A LUTA*
A LUTA
Um dia,
sem querer,
tomei consciência de que eu existia
e superestimando a minha força e energia brutas,
ousei desafiar o mundo,
pois nada me detinha.
Desejava subjugá-lo,
pô-lo aos meus pés,
mostrar a ele o que é verdadeiramente justiça,
demonstrar-lhe como se corrige as injustiças sociais,
como acabar com suas iniquidades,
como exterminar com as pragas,
doenças e a morte!
Era jovem destemido e cria que tudo podia.
Praticar malabares com esferas me atraia.
Todavia, o tempo foi passando
e por mais que tentasse,
o mundo pouco ou nada mudara.
Fui perdendo viço,
foi faltando-me fôlego,
exceto meus sonhos agora pálidos.
Não imaginava,
que o mundo fosse bem maior do que eu,
mais poderoso, colossal…
Minha régua e compasso já não lhe mediam.
Agora, o mundo tornara-se acanhado;
cabia eu prostrado na minha cama, o refúgio.
Então, era ele quem agora me açoitava;
impunha-me regras e limites
que eu os achava estranhos e absurdos,
pois parecia eu um condenado,
aprisionado
apenas por tê-lo contestado.
Fui completamente ignorado por ele!
Assim aprendi como era jogado o jogo da vida
sem regras claras
que mal as compreendia.
Dessa forma, enlouqueci.
A minha superioridade havia se tornado
apenas num complexo mórbido sem qualquer sentido;
revoltado com caprichos e manias,
acossado e apático,
incapaz de fazer frente às loucuras do mundo,
aquilo que chamam de vicissitudes e desafios,
passando a jogar na defensiva
como um animal acuado,
porquanto a imensurável complexidade do mundo
me deixou abúlico, ao final, vencido e resignado.
E quando tudo parecia perdido,
eu embarcava em pensamentos idílicos
e sonhos bucólicos
como rota de fuga.
Pois, o mundo, vim a saber, não poderia ser contido,
não cabia mais na palma de minha mão,
não cabia mais dentro de mim,
aliás, hoje sei, jamais coube tal sua explosão de cores,
formas e sentidos
e sim, eu nele, algo quase que imperceptível,
como uma peça qualquer
perdida num quebra-cabeça universal,
como um grão de areia à beira do mar,
onde agora eu, depois de muito lutar contra o mundo,
nele buscava um lugar para terminar a minha própria revolução interior, finalmente.
Assim tem sido a minha saga.
Paulo Rebelo, o médico poeta.