A LÁGRIMA*

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(ou CONSIDERÇÕES FINAIS)

A LÁGRIMA

Por Paulo Rebelo

Naquele momento,

Quando nos estertores finais

Veio-me a solitária

Hora da verdade,

Refleti.

Lembrei-me de ti

E de outros tantos amados

Num átimo de segundo.

Nessa hora,

Minha vida inteira

Como uma eternidade

Girou na minha mente

Na velocidade da luz

Num filme em cineloop.

Naquele instante

Despedi-me de todos.

Era o último ato:

O meu resgate.

De meus olhos

Caiu uma lágrima.

Derramou solitária

Intensa e
profunda,

Mas cheia de simbolismo.

Não era uma lágrima qualquer;

Era uma lágrima redentora.

Não era religiosa

Nem mística,

Não era esotérica

Nem ideológica,

Não era de alegria

Nem de tristeza.

Era uma gota

Que transbordava

Completude,

A riqueza da paz.

Minha redenção.
Enfim, a plenitude.

Eis que era uma única gota,

Que condensada

Dizia tudo.

O valor de toda

Minha existência

Veio espremida

A partir do coração,

Que copiosamente chorava,

Por isso congelei,

Eternizado o tempo.

Agradeci por tudo,

Pois a vida se encerrava

Fechando um ciclo.

Apenas uma gota de lágrima…

Lá estava eu sangrando

Na cruz.

Era vertente

De uma cascata

De milhões de litros

De lágrimas aprisionadas,

Acumulados desde o tempo

Em que nasci;

Era o nó preso

Na garganta liberada.

Uma única lágrima

Expressando vida

Na derradeira saída,

Que explodiu numa torrente

De emoções,

Por libertar-me

Da dor inefável,

O grito que não pude gritar,

Dos abraços que não pude dar,

Do calor humano

Que não pude sentir,

Por libertar-me

Do remorso,

Da culpa,

Do medo do abandono,

Por ter tido tempo

De reconciliação comigo

E com o próximo.

Por ter me arrependido

E pedido perdão;

A remissão de meus pecados.

O que faltava pedir?

Haveria sempre uma dúvida,

Pois era humano.

No apto final,

A lágrima incontida,

Libertadora,

Que silenciosamente escorria

De meus olhos,

Quando, por fim,

A vida fez sentido.

Paulo Rebelo, o médico poeta.

P.S. Tendo assistido vários pacientes na terminalidade, com poucos tive a oportunidade única de privar de suas “considerações finais” sobre suas vidas. Imaginei-me nesse momento.

No poema “A LÁGRIMA”, busquei falar por eles; é uma breve síntese de seus anseios, medos e sonhos tocantes diante da fatalidade.
Qualquer semelhança não é mera coincidência.

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