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Síntese

O poema versa sobre algo cotidiano em que nós, na frente do espelho, apenas nos olhamos externamente, não nos vemos realmente, não nos enxergando no fundo da alma.
😘😘😘

Texto por Paulo Rebelo

Aquele dia
foi tão diferente
do que já experimentara.
Tantas vezes,
diante dele,
apressado
e displicente,
escovei os dentes,
lavei o rosto,
fiz a barba
penteei os cabelos,
mas era o mesmo
de sempre;
sem notar,
autômato
enfadonho,
distante,
indiferente.

Meu pensamento já voava longe;
mesmo em casa
era um homem ausente.

Então,
naquela manhã,
inconsciente,
fazia o de costume,
quando,
subitamente,
o espelho me chamou para falar comigo.

Naquele instante,
paralisei de repente.

Olhou-me nos olhos silenciosa
e profundamente.
Sem dizer uma palavra sequer,
completamente mudo,
em silêncio ensurdecedor,
sem receio,
pudor ou rodeios,
disse-me tudo sem freios.

A imagem havia congelado.
O tempo parado.
Parecia horas lhe escutando.

Ninguém por piedade
ou educação
jamais havia me dado tanta atenção.

No fundo,
ninguém gosta de ser perscrutado,
porém é bem melhor do que sentir-se abandonado.

Enfim, às claras,
o inconsciente falou por mim
e assombrado pelo passado,
disse-me tudo,
de meu mundo paralelo que vigia dentro de mim oculto,
que alimentado
por crenças estranhas,
algo desassossegado e insepulto.

O espelho
revelava-me
meus segredos,
lia meu pensamento,
eviscerava o meu ser por inteiro;
o portal
de minha alma,
o poço sem fundo
que penetra dentro de mim,
traz de lá memórias
que não me deixam esquecer,
exceto sofrer sem que jamais saiba o porquê.

Amanheceu outro dia.
Eu estava mudado,
não só na forma.

Assim,
daquele dia em diante,
já não se tratava mais
de apenas pentear o cabelo diariamente na frente do espelho…

Paulo Rebelo, o escrevente do tempo.

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