A FÉ*

A FÉ

(Crônica)

A visita do médico era um acontecimento diário, sentida por todos,
desde a portaria do antigo hospital até os pacientes, principalmente, passando por seus pares e enfermagem.

Todo dia havia a espera de seu poder transformador; de que só aquele médico elevaria o astral dos pacientes a tal ponto de acelerar sua cura ou aliviar suas dores através do fortalecimento da fé e restabelecimento da confiança, porque ele era “diferente”.

Mal o sol raiava, todo de branco, lá vinha ele alegre e garboso.

À distância já se ouvia os passos do médico, o onomatopeico TOC-TOC-TOC do salto de seu sapato branco, que ecoavam nos longos corredores do antigo hospital beneficente de pé direito alto em Belém do Pará, de piso de tábua corrida que já não existe mais.

Atencioso e gentil, cumprimentava todos. Andar a seu lado parecia romaria de santo.

Um homem bem apessoado. O seu perfume suavemente amadeirado marcava sua presença e dava prazer no encontro com ele. E, haja conversa leve e agradável.

A enfermagem já o conhecia muito bem; o seu humor e manias.
Ele apreciava passar visita e ver pacientes seus bem auto cuidados quanto à higiene pessoal. Mas, não era propriamente uma exigência, mas um sutil parâmetro de sucesso de seu tratamento.

Portanto, na grande enfermaria de outrora onde havia, talvez, uns vinte pacientes, uma para cada grupo de homens e mulheres, ele dizia alto com aquele vozeirão, sorrindo para todos: “eu venho te ver bonito e é assim que tu me recebes “horrível”, com essa cara fúnebre?! Faça essa barba, homem! Passa um batonzinho nesse rosto bonito, mulher! Amanhã, se eu te pegar desse jeito eu vou cancelar a tua alta!” Risada geral, pois alguns o levavam a sério.

Naquele tempo parece que as doenças eram diferentes, quase que misteriosas e tinham um ritmo mais lento, Era tipo um sanatório. Então, qualquer palavra de afeto e solidariedade era benvinda. Por outro lado, pacientes e familiares, médicos e enfermagem passavam muito tempo juntos e acredite, se tornavam uma grande família. Era como uma irmandade.

O fato é que, surpreendentemente, no dia seguinte, pacientes estavam asseados, penteados, unhas aparadas e bem feitas e com a face vívida, miraculosamente, pouco ou nada sentindo, se dizendo “curados” diante dos remédios que ele lhes prescrevia como se fosse para si mesmo.

Assim, quando percebiam que aquele médico estava por chegar, o ânimo aumentava, as dores realmente sumiam; “minhas preces a Deus foram atendidas!” exclamavam.

Além do assobio da música de sucesso da vez, ele seguia cantarolando alto pelos corredores e enfermarias:

“acorda Maria Bonita, levanta vai fazer o café, que o dia já vem raiando e o teu DOUTOR já está de pé!”
🎵🎵🎵

Paulo Rebelo, o médico poeta.

2 Responses

  1. SÔNIA LIMA disse:

    PAULO QUERIDÍSSIMO!!!
    Que belíssimo… Fizestes eu ir até ao passado…Lembrei-me da época antiga(1984) no Hospital São Camilo… Que sensilibilide no seu conteúdo. Meus efusivos PARABÉNS!!! Por nos fazer viajar ao passado, através da nostalgia de seus registros…

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Exelente crônica com relatos de tirar o fôlego nobre Médico e Poeta. Seu versejar de amor para com os pacientes é magistral e escrito com suas digitais e muito carinho. Aplausos mil e abraços poéticos. Martha Maria.

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