A CULPA É MINHA*
A CULPA É MINHA
Crônica de Paulo Rebelo
A COVID-19 segue firme fazendo vítimas. Não há mais ninguém que não tenha sido direta ou indiretamente envolvido pelo SARS COV2 ou o NOVO CORONAVÍRUS.
Antes da COVID-19, para cada dez pacientes, eu prescrevia 2-3 medicamentos “Tarja Preta”, hoje, são dez ou mais. Uma consulta que era de 15-20 minutos, agora é o dobro. E, não tem sido fácil convencer o público de que o ele que sente, não é outra coisa a não ser complicações do vírus ou transtornos mentais.
E quem é esse novo público? São os sequelados física e emocionalmente da COVID-19. As complicações são variadas (e longa) e às vezes, podem ser complexas como AVC, Infarto, miocardite, arritmias, anemia, indisposição, fraqueza e fadiga crônicas, dores articulares e musculares, transtornos de ansiedade e de pânico, depressão psicoses e muitas outras.
Um dos casos que me deu trabalho recentemente passo a relatar a seguir.
Uma senhora na casa dos 45 anos apresentava uma exuberância de sinais e sintomas como aceleração do coração, hematomas e equimoses nos braços, coxas e barriga, pressão ora alta ora baixa e “muita falta de ar”. À ectoscopia, era visível a dispneia suspirosa. Ela tinha tido a COVID-19, forma pulmonar com 70% de comprometimento. Acreditava que a doença tivesse voltado. Todos os exames complementares estavam normais. Há sessenta dias, não dormia, não comia, só chorava. O corpo todo doía.
Apenas no transcurso da consulta com apresentação de exames complementares, pude concluir de seu grave problema físico e incapacitante era de natureza psicossomática e psiquiátrica; a pobre senhora só sabia dizer de modo entrecortado, enquanto soluçava e chorava baixinho e copiosamente (Curiosamente, envergonhada e com atroz sentimento de culpa) dizia cabisbaixa:
“DOUTOR, EU MATEI A MINHA MÃE! A CULPA É MINHA. EU LEVEI O VÍRUS PARA DENTRO DE CASA!”.
A senhora era consultora de produtos de beleza. Acreditava que tenha se infectado durante seu trabalho itinerante e daí, infectado filha e a mãe que acabou falecendo de complicações da COVID-29, intubada, após três semanas de CTI.
A pobre mulher falava sozinha, buscando dialogar com a mãe (que já não estava entre nós) em todos os cantos da casa. Alucinava ouvindo e vendo coisas para pavor da filha.
A filha recém saída da adolescência dizia: “doutor, mamãe não levanta mais nem para tomar banho; a comida é só através de DELIVERY. A casa está abandonada. Ela não é assim. Por favor, salva minha mãe!
Eu escutava pacientemente ambas que, inerte nas cadeiras que nem boneca de pano, lagrimavam.
“A minha mãezinha era assim”, dizia a mulher: “depois que me divorciei, ela veio morar conosco. Doutor, ela assumiu toda a casa e não nos deixava faltar… O café da manhã, a tapioquinha, a geleia, o suco de laranja, o feijão no fogo. Perguntava o que queríamos para p almoço! Tudo é lembrança dela! Até os cânticos religiosos da REDE VIVA e a missa do padre Marcelo, tudo é a cara de minha mãe”.
E como se buscasse um medicamento na medicina para aliviar a sua dor, me perguntou:
“Agora, doutor, me diga, por favor, como eu vou viver sem minha mãe?”
(Eu não saberia responder; a medicina ainda não achou a cura para situação assim)
Paulo Rebelo, o médico do corpo e das almas.