A COLCHA DE RETALHOS*

A COLCHA DE RETALHOS

Texto por Paulo Rebelo

Ao longo do meu caminho ocorreu de eu estar mudando e sem que jamais tenha me dado conta disso, seguia caminhando.

Apenas notava que envelhecia e algum amadurecimento em meio a altos e baixos ou indisfarçável auto confiança existia.

Não foi algo conscientemente desejado, tampouco foi algo pacífico, às vezes, indigesto.

Não foi como trocar de roupa.

Então, a mudança que se fazia ora silenciosamente, mas por vezes, tornou-se abrupta e traumática; com frequência acontecia sem me pedir licença e sem consultar se me aprazia ou não.

Mal dava tempo de refletir. Muitas vezes, tive que engolir sem mastigar, sem sentir o gosto do prato.

Estranhamente, de tempos em tempos, mudava eu de pele como se fora serpente, mas aconteceu inúmeras vezes de ser tal qual lagartas e transmutar-me em borboletas, porém de vida curta.

Voei.

Então, pelo caminho, lá do alto, partes de mim foram caindo; era inútil e resgatá-las, pois infecundos; caíram em terrenos inóspitos.

E nessa viagem, dessa intensa e incessante permuta com o universo, eu fui resistindo, reexistindo e me recriando, colhendo o que plantei e deixei de colher.

Assim, um pedaço de mim compôs o todo inacabado como uma tela rabiscada.

Paulo Rebelo, o médico poeta.