A CAMINHADA*
Alguma vez já estiveste louco ou próximo da loucura um dia? Não falo de esquizofrenia pura quando te tornarias um NERO incendiando Roma. Não é isso. Falo do momento em que depois de lutares incansavelmente como HÉRCULES, tu estiveste abúlico, anérgico, quando pouco enxergavas a realidade já completamente distorcida, teus pesados e atabalhoados pensamentos não tinham mais rumo certo e estavam à deriva. Agora, então, lembras-te? Lentamente, te consumiam como numa fogueira e, subitamente, pararam de te assombrar, então, simplesmente desististe de sonhar. Como eu, estiveste como um barco de papel sem qualquer timão e leme, flutuando à jusante para o oceano. Assim, teu único e derradeiro rastilho de lucidez foi se perguntar: “e agora, morrerei?” Eu, sim, amigo, muitas vezes morri. Portanto, eu te entendo plenamente.
Não era uma desistência de lutar, do tipo em que desejasses morrer para sempre, para fugir do sofrimento, mas apenas uma entrega difícil, aquele momento do nascimento de um novo ser humano como num parto distórcico, em que poderias não sobreviver, todavia o rebento é celebração de vida. No fundo, jamais quisemos morrer, porém nos proteger como uma criança assustada nos braços de nossas mães.
É que em algum momento dessa longa estrada da vida, açoitada pelo tempo, caminhávamos bem, lépido e fagueiro, todavia sem mais nem menos, lá por volta dos vinte e poucos anos, eu mesmo me deparei numa encruzilhada. Tal como tu, estava confiante; já sabia o que era quente e frio, noite e dia, mas não sabia muito bem o que era o certo ou o errado. Isso já me diziam. Aliás, parece que ninguém o sabia. Apenas, diziam-me: “cuidado!” Mas, cuidado com o quê? Assim, tomei o meu caminho. Uns diziam atrás de mim “vai”, outros tantos, “não vai”. Tinham bocas que se mexiam, mas eu estava surdo. Eu só escutava a minha consciência soberba, mas imatura. Disse-lhes adeus. Disseram-me: “vá com DEUS!”.
Um dia, porém, depois de andar pelos quatro cantos do mundo, satisfazer todas as minhas vontades mundanas e eu, me crendo experiente na vida, percebi um leve desassossego que foi crescente até o desconforto da ansiedade, da angústia e do medo que jamais havia experimentado. Faltava-me algo, entendes? Não sabia exatamente o quê. Sempre tive dúvidas, mas a partir daí, passei a ter insegurança. Perguntei-me: “será que estive todo o tempo errado?” Não era como aquela dúvida lá atrás quando da tomada dos caminhos naquela encruzilhada do tipo: “que rumo tomaremos?” Não! Era algo mais grave; eu estava perdido.
Baixou a noite escura negra como o piche, seguida de uma terrível tempestade em alto mar. O medo tomou conta de mim. Tremia. O frio só me piorava. A bússola já não me servia mais de nada. As estrelas desapareceram, inclusive, a que me abençoava. De repente, toda a minha experiência acabou. A sorte me abandonara…
Não sei quanto tempo vagaste, mas eu tampouco sei o meu.
Acontece que nada é para sempre, agora eu o sei. E, portanto, dar-te-ei o meu breve testemunho de minha libertação a seguir:
Parecia não encontrar lugar seguro e no desespero, sofri até desfalecer de exaustão.
Ao acordar, ainda era noite. A impressão que tive é que não houvesse dormido há séculos, navegando de continente em continente. Então, me dei conta que se já havia perdido a fé em mim, deveria me valer da fé em DEUS, que jamais o procurara em meus tempos de vãs conquistas, glórias e saúde. É que havia endurecido que nem ovo cozido, porém em nada amadurecido, senão envelhecido rápida e precocemente. Pois, antes tarde, mas nunca, percebi que isso ocorre quando temos apenas fé em nós mesmos. Todo o meu vasto cabedal de conhecimento e intelectualidade não estava à altura da dor que enfrentava. Percebi o quão frágil eu era. Faltava acreditar em DEUS.
A tempestade cessou. Uma leve brisa fria soprava. Os primeiros sinais de vida como juncos e sargaços apareceram palidamente na superfície dos mares plácidos e pristinos. Logo o crepúsculo da manhã surgiu no firmamento. E meu amigo, eu juro por tudo o que é mais sagrado, eu escutei claramente lá do alto me dizerem: “EU SOU A LUZ DO MUNDO E AQUELE QUE ME SEGUE, NÃO ANDARÁ NAS TREVAS”.
Avistei pássaros; gaivotas voando sobre mim, lembrando-me muito de meus pais, irmãos e dos poucos diletos e verdadeiros parentes e amigos, dizendo: “estamos bem aqui ao teu lado. Nunca te abandonamos, mesmo quando tu partiste”. Assim, fui criando um novo tipo de FÉ, aquela maior do que eu.
Os ventos a bombordo sopraram mais fortes. Aquele barco de papel, outrora frágil, ressurgiu com leme e timão, então, um dia aportou numa enseada segura e eu, aliviado, são e salvo, como um capitão de longo curso, finalmente, descansei em paz para seguir eternamente na LUZ.
Paulo Rebelo, o médico poeta.