A ANIVERSARIANTE*

TEXTO por Paulo Rebelo
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A ANIVERSARIANTE

Aquele dia era mais um daqueles que eu estava atrasado para o meu consultório. Às 18 horas e alguma coisa, saia apressadamente do hospital público totalmente ligado no automático, quando fui obrigado a parar para dar atenção à uma aflita senhora que me relatou o seguinte:

que sua mãe estava internada naquele hospital com câncer ósseo metastático já numa fase terminal na coluna vertebral, completamente fora de possibilidade terapêutica.

O seu médico assistente havia “desenganado” a paciente. Suas dores físicas eram terríveis e somado aos opiáceos que são analgésicos potentes, anti-inflamatórias, ansiolíticos, tranquilizantes, medicamentos ditos sintomáticos que ela era obrigada a tomar para alívio da dor, isso deixavam-na cada vez mais sonolenta e prostrada no leito, para a grande desalento que se abatia sobre toda aquela família por não poderem fazer mais nada, vendo a matriarca morrer diante de seus olhos. Por tanto sofrimento e destino fatal, era natural que ocorresse um certo e compreensível desgaste da relação do médico assistente-familiares, por isso a filha me pedia encarecidamente para que eu, como médico, aliviasse o sofrimento de sua mãe. Não ponderei nada. Pensei, compungido: “por que não?”. Fui visitá-la sem antes ligar para o meu colega médico, expondo-lhe a situação o que prontamente aceitou, apenas por uma questão ética, um dever de ofício nosso, entende? A seguir, liguei para minha secretária para dizer-lhe que atrasaria o meu atendimento em uma hora aproximadamente.

Acostumado ao sempre difícil processo da terminalidade, vendo sua vida se esvair de um corpo quase inerte entre soluços e choros contidos de familiares, não havia como não se apiedar diante daquele quadro melancólico como na pintura “THE DOCTOR” do inglês Samuel Fildes e buscar mitigar o sofrimento daquela gente, esposo, filhos e, sobretudo, da pobre paciente que mal balbuciava palavras de desconforto físico e nenhuma emocional, visto que aparentava ter entregue sua alma a DEUS, conformada com seu destino. Resignada, já não tinha mais forças.

Por um instante, pensei no quanto eu me apresentava impotente perante à morte, todavia, repentinamente, um calafrio tomou conta meu corpo que estremeceu, acompanhado de uma vontade e força incomuns de ajudar na sua passagem para a vida celestial.

A prescrição foi acrescida ou modificada com hidratação por infusão venosa, eletrólitos, vitaminas, glicose e albumina humana, mantendo ou reduzindo alguns sintomáticos. Fiz o que minha consciência mandou. Poderia ser criticado por uma escola médica mais pragmática por buscar prolongar uma vida sofrida desnecessariamente. No fundo, havia feito meu dever de médico à moda antiga: o verdadeiro médico de família.

O fato é que algum tempo depois reencontro aquela mesma filha na porta do hospital, resignada, mas com uma estranha alegria. Revelou-me que sua mãe havia falecido dois dias depois daquele triste dia.

Com os olhos brilhando e marejados, sorrindo vivamente para mim, desculpou-se por não entrado em contato comigo. Abraçou-me fortemente e com ternura, agradecendo-me imensamente em nome de toda a família pelo que eu havia proporcionado a sua mãe e família.

Disse-me: “o dia seguinte de sua visita, doutor, o senhor não vai acreditar: era o aniversário de minha mãe. Ficamos tão felizes quando vimos a nossa mãe acordada, mais esperta e desejando se alimentar, tão melhor, que corremos para celebrar essa data dentro do hospital. Cantamos parabéns até com a enfermagem, cortamos o bolo, ganhou presentes. Foi tão bonito ver nossa mãe falando e sorrindo de novo que num momento, esquecemos de tudo. Naquele dia, sabíamos que estávamos nos despedindo definitivamente dela. Deus nos concedeu essa graça através do senhor. Muito obrigado, doutor Paulo!”

Alegre, contive minhas lágrimas.
UM MILAGRE OCORREU, DE FATO.

Assim é a vida.
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