O MILAGRE*

O MILAGRE

Crônica por Paulo Rebelo

Antes de te falar sobre o ocorrido, gostaria de perguntar se tu acreditas em milagre? Já testemunhaste algum? Eu não acreditava; a bem da verdade, alheio a isso, nem sabia o que era isso e cético, duvidava de tudo até que fui me convencendo de que de uma forma ininteligível, milagres existem, sim.

Eu já havia encerrado o meu consultório por volta da 21 horas, quando ao acaso encontrei duas senhoras no longo e sombrio corredor do hospital, que logo vim a saber que se tratava de mãe já idosa, na casa dos 85 anos, cadeirante, de cabelos grisalhos, fragilizada e de voz baixa e entrecortada, pouco ofegante e a filha que parecia aflita e desnorteada.

“Desculpe-nos, o senhor é médico?”, esta me perguntou.
“Sim, em que posso ajudar?”
Bem, o fato é que por motivo que não saberia explicar, a idosa que apresentava infarto do miocárdio foi liberada para casa, talvez, pelo fato de se tratar de um ataque cardíaco incomum; sem dor explicita e apenas falta de ar ou seja certo desconforto respiratório.

Não me pergunte como, mas fui tomado de profunda empatia pela mãe e filha que estavam sofrendo e muito, cada uma intensamente e à sua maneira. Sem tocar na questão de honorários médicos, acabei assumindo o caso.

Cinco anos depois, lá estava eu sentado bem ao seu lado, na belíssima celebração pela passagem de seus 90 anos, alguém ilustre, digno de pertencer à sua vida. Senti-me honrado.

O fato é que o infarto deixou-a com o coração bastante debilitado e o extraordinário é que como abençoada por DEUS, pouco ou nada sentia. Era de uma educação, cultura, leveza da alma, gentileza e candura excepcionais. Eu me afeiçoei a ela é vice versa. Eu mesmo levava minhas filhas menores “para visitar a vovó” na sua casa aos sábados, quando chamado para uma consulta domiciliar. Eram servidos bolo e suco para as “netinhas”. Anos mais tarde, essa inesquecível senhora veio a falecer em decorrência de um AVC isquêmico.

Acontece que médico é que nem padre, né?; eu fui me imiscuindo na vida de ambas com intensidade e discrição, sentindo “a vida como ela é”.

À medida que minha paciente chegava ao final, a própria filha, sem saber, se tornara cardíaca. Para minha aflição, sendo ela uma pessoa ansiosa e tensa, disse-me: “eu não quero saber de nada, porque sou muito nervosa”. O seu coração estava grande e fraco, cujo prognóstico era sombrio e um tempo de vida de até 5 anos, sujeita à internações nesse interregno e morte súbita. Ela me “proibia” de conversar com o marido que estava caminhando para cegueira e irmãos com os quais não contava. E agora, José? Com quem dividir essa responsabilidade?
Bem, só um milagre!
E o milagre surpreendentemente um dia ocorreu!

Como se não bastasse o fardo da cegueira do esposo, agora este com câncer, foi “desenganado”; parecia o fim; um golpe de misericórdia na fé e no moral da mulher que jamais abandonou o barco. Vi o coração da pobre se deteriorar de tal sorte que imaginei o pior para si. Fui trabalhando a combinação e dose de medicamentos que jamais deixou de fazer uso.

A mulher sumiu por completo durante um ano. Eu me peguntava; “que fim deu a mulher?”
Um belo dia recebo uma mensagem sua; queria se consultar. Tremi nas bases, esperando pelo pior.
Bem, ainda que estranhando, para minha alegria, sem queixas, já no ECG, estava sem arritmias potencialmente fatais.
O esposo continuava vivo e ela dizia que precisava viver para ajudá-lo e que para isso, rezava muito.
Chamava atenção o fato dela não sentir absolutamente nada.

Ao realizar o exame chamado de ecocardiograma, cético, não acreditei no que estava à minha frente, quando vi que seu coração estava completamente NORMAL. Repeti os cálculos para ter certeza e confirmei o diagnóstico. Sim, seu coração estava normal!

Tu já viste uma alma chorar de alegria? Assim eu estava. Arrepiado de emoção e disse isso a ela, que já chorava pela graça alcançada: um verdadeiro MILAGRE!

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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