O ANJO*
O ANJO*
Eu era um jovem médico cheio de energia e sonhos de vencer na vida. Não me furtava de aceitar qualquer de paciente, pois precisava trabalhar para pôr em prática o que sabia e me sentir realizado profissionalmente.
Então, um dia, andando pelas dependências do hospital público para resolver questões administrativas minhas, fui abordado por uma jovem que, aflita, me pedia que pelo amor de Deus eu visse a sua mãe que acabara de ser dispensada para casa, mas que não estava bem.
Ao fazer algumas poucas perguntas para a paciente, constatei que se tratava de infarto agudo do miocárdio grave. Estava tensa e com fácies de sofrimento. Acabou sendo reinternada e eu, passei a cuidar dela, algo que fiz com desvelo.
Trinta dias depois estava sendo submetida à cirurgia cardíaca para colocação de “pontes” mamária e safena, mas o dano miocárdio já estava feito e foi grande e assim ela durou mais alguns anos, sendo o último ano o mais difícil pelas seguidas internações, causadas por arritmia, angina e insuficiência cardíaca.
O fato é que foi fácil me afeiçoar pela dona Teresinha, a Tetê como gostava de ser chamada; ela era extrovertida, espiritual, franca, objetiva, carinhosa e sobretudo, humana. Adorava contar “causos” e falar das pessoas que amava e de sua atividade. Viúva e com os filhos criados, seu trabalho era junto à paróquia do bairro onde era pessoa muito ativa nas pastorais, especialmente, com os enfermos que visitava com frequência e, portanto, muito conhecida e estimada por todos. É claro que ela se tornou e fazia questão de ser meu “cartão de visita” e minha “garota propaganda” que levava meu nome aos quatro cantos da cidade “como o apóstolo Paulo levou o nome de Cristo à Roma”. O meu nome era um doce na boca daquela mulher.
Agora se entende o porquê fora difícil “segurar” essa mulher, sendo ela muito ativa, mesmo que por motivos óbvios pedisse para reduzir o seu trabalho que para si era um grande prazer, pois adorava estar rodeada de amigos e familiares, ajudando-os ou os aconselhando; o seu coração havia dilatado e estava fraco e necessitava de mais medicamentos cada vez mais em doses maiores, principalmente, exigindo rigor e disciplina no tratamento.
Um dia me ligou que queria falar comigo. Imaginei o pior. Próximo do fim de sua vida, disse-me que estava realizada, que pôde casar e ter filhos, netos e bisnetos, que tinha muitos amigos, que pôde servir a Deus, ajudando a igreja e os necessitados com a pensão que ganhava.
Ainda que emotiva e estivesse serena, pela primeira vez, fez rodeios para me falar o seguinte:
“Doutor, sei que o senhor não acredita, porque os médicos não acreditam em milagres, mas queria lhe contar o meu segredo (todo mundo sabia menos eu); foi um anjo que mandou o senhor me atender naquele dia. Quando eu me vi desesperada, pedi tanto a Deus que me ajudasse e então, pouco tempo depois, veio uma enfermeira, lembro muito bem que usava uma antiga tiara, que nos falou assim: “olha, o doutor Paulo acabou de chegar ao hospital e ele é um bom médico. Por que vocês não pedem para ele cuidar da mãe de vocês?” O resto o senhor já sabe. Bem, agora o que o senhor não sabe, escute, é que eu voltei lá para agradecer do fundo do meu coração àquela enfermeira pela graça alcançada e acredite, para a minha surpresa, ninguém soube me dizer de quem se tratava aquela enfermeira, mesmo com toda a descrição física que demos. Uns disseram que ela já teria morrido há muitos anos… Doutor, foi um anjo que lhe mandou para cuidar de mim! O senhor acredita? Abriu um leve sorriso. Seus olhos marejaram enquanto a voz embargava.
Eu fiquei meditando sobre isso. Ué! Como é mesmo que me localizaram se eu não estava de plantão naquele dia?!
Acontece que algum tempo depois seu coração parou e durante os belos cânticos religiosos entoados por seus familiares, amigos e admiradores durante suas exéquias, imaginei anjos ao seu redor, em especial, aquele que a salvou, a enfermeira.
Assim ao longo dos anos com casos clínicos assim, fui me tornando mais humano, aprendendo lições que não são encontradas nos livros de medicina.
Paulo Rebelo, o escrevente do tempo.