O NINHO*


A vida dá muitas voltas,

Mas nós dois não tínhamos noção disso.

Somente a certeza de que só haveria altos,

Nunca baixos.


Éramos jovens

E nos desejávamos ardentemente um ao outro;

Conquistaríamos o mundo,

Que para sempre estaríamos juntos na eternidade!

Nós não tínhamos dinheiro;

Sobravam esperanças,

A certeza da invencibilidade,

De que teríamos um futuro glorioso,

A bonança.


Havia muitas ilusões.


No inicio, parecia difícil,

Porém para nós nada era impossível.

Para um jovem casal,

Tudo nos era permitido fazer,

Até sofrer por amor.


Parecia aprendizagem,

Mero treino,

Podíamos errar e acertar

Como num jogo virtual,

Pois tínhamos muitos sonhos e energia.

Diante de nós um imenso reino.


O tempo passou.

Muito se foi.

Muito jamais ocorreu.

Alheio à nossa vontade,

O mundo mudou

Sem que movêssemos uma só palha.


Hoje, conhecemos os altos,

Mas, também, os baixos.

Imaginávamos que a passagem era só de ida,

Mas descobrimos que há voltas.


Vimos mil possibilidades,

Outras mil dificuldades,

Descobrimos mentiras,

Mas, também.

Nossos defeitos,

Veleidades,

As verdades.


Assim, à noite,

Tal qual no passado,

Com a casa vazia,

Voltamos a ficar nós dois a sós

Durante o inverno chuvoso.


Ainda há calor em nossa cama.

Não fazemos nossos encontros às escondidas.

Da paixão, não há mais tais chamas,

Restam os odores de nossos corpos quentes e suados,

Mas não como outrora.

Há um certo decoro;

O aperfeiçoado rito conjugal;

O amor sem dramas.


Hoje, os filhos crescidos e idos

Nos espreitam à distância

Como se fossem nossos pais.


Uma gostosa estranha sensação ocorre;

A casa parece enorme.

Mas, as paredes falam.

Ainda ouvem-se as algazarras das crianças,

Os brinquedos estão jogados na sala,

O aroma do café da manhã,

O latido dos pets….

Assim, a casa nunca será um ninho vazio;

Está cheia de memórias.

Paulo Rebelo, o escrevente do tempo.

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