O ASSÉDIO*
O ASSÉDIO
Crônica por Paulo Rebelo
A história que passo a relatar ocorreu há trinta e cinco anos.
Fazia a minha pós graduação médica em São Paulo e, na época, isso me deixou com um misto de desapontamento e raiva. Poderia ter acontecido uma tragédia pessoal, se não fosse pela obra do Espírito Santo.
Em parte, porque jovens médicos, acredite, são inocentes tal é a clausura acadêmica. Não tem a mesma vida social das demais profissões, onde certamente não há tanta rigidez estudantil. Sendo assim, eu não era diferente; era ingênuo.
À noitinha, recebi um telefonema de uma grande amiga de minha tia, na casa dos quarenta anos (o dobro da minha), para que eu fosse atendê-la na sua casa num bairro distante, pois dizia estar com “pressão alta”. Estranhei o convite, mas não pensei duas vezes; precisava de dinheiro, além do que alimentava minha autoestima profissional.
No seu belo sobrado, lá estava um casal amigo seu dando-lhe apoio. Inicialmente, não percebi nada de errado até que já era por volta das 23:00, quando esperando ser pago pelo meu trabalho, ela disse que continuava não estar se sentindo bem, recusando-se ir ao hospital, dizendo que sentia-se confortável alí tendo um “médico particular” como seu.
Alegando dificuldade para me conseguir um táxi aquela hora da noite, preparou-me um quarto. Constrangido, fui obrigado a ficar.
Não conseguia dormir e quando aconteceu de cair profundamente no sono, tomei um susto; acordei com a mulher na cama em cima de mim, seminua, tentando me beijar a qualquer custo e que não aceitava um “não”. Cercou-me de elogios baratos. Desvencilhei-me dela.
“Acho que a senhora está me confundindo”, disse-lhe. Desconcertada e decepcionada, desculpou-se. Aparentemente mais calma, saiu.
Lá pelas quatro horas da manhã, já sem sono, dado à insistência do toque do telefone da casa, percebendo que a mulher poderia ter aprontado algo, atendo e sou obrigado a escutar de um médico conhecido dela no hospital onde lá ela já se encontrava, “o que é que eu estava fazendo naquela hora da noite na casa dessa mulher “desquitada” e que eu estaria me aproveitando da situação.
Indignado, mas firme, deixei-o ciente de toda história. Do outro lado, constrangido, ele percebeu que havia acreditado numa desequilibrada mental. Baixou o tom de voz.
Alguém foi deixá-la na sua casa. Fui obrigado a abrir a porta p ela. Ninguém comentou nada.
Amanhecia quando fui embora. Que alívio.
A única coisa que me deixou muito feliz foi o fato da mulher, apologética, ter me pago em dobro.
Muito fala-se de assédio médico, que é mórbido, mas o oposto, há um silêncio respeitoso, pois médicos perdoam suas pacientes que os confundem, pois entendem q essa paixão feminina ocorre por fragilidade emocional passageira.
A minha tia, satisfeitíssima de eu ter atendido a amiga dela, pergunta-me: “como foi, meu sobrinho?”e “o que achou dela?”
No meu lugar, pergunto, o que tu dirias?
Paulo Rebelo, o médico poeta.
P.S. Somente há alguns anos quando minha tia e ex-amiga estavam mortalmente brigadas, revelei a história.