A MINHA COR NUNCA FOI UM PROBLEMA*
A MINHA COR NUNCA FOI UM PROBLEMA
Por Paulo Rebelo
Eu jamais tive problemas com minha cor morena. Sou um mestiço; uma temperada mistura de entre o branco anglo-saxão e o índio Amazônida.
Sou egresso de uma família vindo dos confins da Amazônia. Morávamos num vila de casa conjugada de classe média baixa no meio de um quarteirão, imprensada entre duas belas mansões de comerciantes árabes. Essa era a visão que eu tinha de riqueza tão próxima e tão distante.
A maioria dos costumes era ocidental e era exaltado quando se queria atribuir classe à qualquer evento social, porém a vida era enriquecida pela cultura indígena e negra na alimentação rica em peixes, frutas e hortaliças e os rituais de UMBANDA. Sim, isso mesmo, a vila toda frequentava o concorrido Terreiro de UMBANDA de minha tia-avó JUCA, uma linda cafuza na casa dos cinquenta anos. Cansei de levar muitos “passes” até a minha puberdade. Era uma mistura inebriante de sons, odores e sabores.
Sendo o primogênito e tendo um pai sempre ausente por conta de ser navegante do Rio Amazonas, carinhosamente chamado de “preto”, precocemente, eu assumi o papel de “homenzinho da casa”. Desde cedo eu ajudei a minha mãe com tudo que uma dona do lar precisa para tocar uma casa, porém sem ser trabalho infantil. Assim, cresci com uma estranha sensação de responsabilidade prematura, mas isso não quer dizer que amadurecia. Por exemplo, achava erroneamente que “nós éramos pobres, porque os árabes eram ricos”.
A escola de classe média e alta era paga com muito esforço, pois nunca soube o que é tomar ônibus e lanchar na escola, só reforçava a ideia que havia algo errado, mas creia-me, não comigo. Era autossuficiente e com autoestima saudável. O meu problema não estava na cor, mas na condição social. Flertei com o comunismo tosco de FIDEL.
O grande problema é que a pobreza te leva ao autodidatismo, quando à luz da sobrevivência, aprendendo a vida por conta própria, a criança vai ficando para trás, agravando a diferença entre crianças pobres e ricas.
Um dia, não pergunte como nem o porquê, aos catorze anos, em 1973, fui agraciado com uma bolsa de estudos integral e fui estudar e viver nos EUA com uma típica família americana de cor branca, descendentes de alemães – THE MASTENBROOKS, de classe média com quatro filhos.
Acredite, jamais fui discriminado.
A ONG havia mandado um dossiê a meu respeito para a família, escola e igreja da comunidade pequena, eminentemente rural ( mas já havia o conceito de que na periferia das grandes cidades americanas, livre de seu gigantismo com seus grandes problemas crônicos, a vida era melhor). Então, estavam preparados para mim; todos queriam conhecer menino prodígio que era aquele que lá dos confins da Amazônia havia merecido tal distinção: viver nos EUA e com tudo pago por eles!
A vida era boa, exceto pela saudade de casa. Não havia brasileiros a centenas de quilômetros dali. A alimentação era massificada pelos FAST FOODS. Sofri muito. Aprendi a ser mais independente ainda.
Eu era “popular” pelo ineditismo. Curiosamente, apesar de esforços, os poucos adolescentes negros nunca se chegaram comigo, certamente, por tudo que conhecemos.
Ao contrário do BRASIL, lá não há apenas ressentimento como agora; há um verdadeiro ódio racial declarado. Naquela época, simplesmente, havia bairros que eram verdadeiros guetos.
Apesar disso, desnecessário dizer o quão fomos felizes todos nós. Não vivia numa bolha. Era o fim tumultuado da Guerra do Vietnam e de Movimentos Negros Americanos.
Lá mesmo decidi o que gostaria ser na vida. Faltava apenas bater o martelo.
Assim, ao voltar, estudei muito. Tornei-me médico. Hoje, sou casado com uma médica e pais de cinco filhos na área da medicina. Posso dizer que aproveitei todas as oportunidades que me foram dadas e que as cavei.
A mensagem que eu deixaria aos leitores e comentaristas em geral, que pode parecer ingênua, pois cada um tem sua história, é olhar para frente e lutar para vencer na vida, não importando a cor da pele.
Paulo Rebelo, o médico poeta.
P.S. Texto escrito p a página do Facebook de NEGRITUDE NO SANGUE.