A CONSULTA MÉDICA (quando o médico era o próprio remédio)*

                                                

Um tempo inesquecível: quando o médico era o próprio remédio.

Ainda sou do tempo em que a ida ao consultório médico era um acontecimento quase que mágico. Minha mãe dizia com muita convicção, que aquela visita há muito tempo agendada era o nosso compromisso mais importante do dia, talvez, da semana! Éramos acordados mais cedo do que o usual. Vestíamos nossas melhores roupas. Havia certa excitação no ar, certo “frisson”, ainda que estivéssemos com alguma doença. Sair de casa já era algo diferente. Um pouco antes do amanhecer, o almoço estava garantido, pois ela o deixava pronto. Depois de tomar o café da manhã, lá íamos todos de lotação. A viagem era agradável. Os menores passavam por debaixo da roleta. No caminho, ela já nos avisava para que nos portássemos muito bem, pois a demora em começar o atendimento seria invariavelmente certa. A agenda do médico era sempre cheia, mas valia a pena esperar. Aquele era o médico de sua confiança. Segundo ela, ele era o melhor pediatra. Era o médico que eu gostava, também.

Ansiosamente aguardado por todos, ele chegava quase sempre atrasado. Era compreensível. Todos ali sabiam que ele era um homem muito ocupado. Vinha de outro hospital. De um modo geral, não havia queixas maiores; no máximo um comentário aqui e acolá que o médico estava demorando. Curiosamente, lá parecia ser também, um ponto de encontro de velhos conhecidos. Aproveitava-se aquele raro momento para conversas que pareciam intermináveis, às vezes, alarmistas sobre alguma doença “misteriosa”. Fazia-se comentários sobre as manchetes de jornais locais e notícias do rádio ou ainda sobre das vivências e experiências pessoais e familiares cotidianas, mas, sobretudo sobre o quanto aquele médico era atencioso e dedicado à sua profissão.

Ao passar sorrindo pela sala de espera rumo ao seu consultório, dava a impressão que conhecia todos ali presentes, cumprimentando-os com um efusivo “bom dia!”, claramente, reconhecendo uma ou outra criança, chamando-a pelo nome.

Gostava muito de toda aquela atmosfera, ainda que às vezes, alguém dissesse sussurrando: “te aquieta menino senão o doutor vai te dar uma injeção!” (pensava mesmo eu que fosse comigo), algo que ele mesmo nunca o fez. O choro que se ouvia era daquelas crianças incomodadas pela própria doença. Muito são reminiscências. Guardo, entretanto vivo na memória, aquele ar de hospital, e enquanto ele prescrevia a receita com sua clássica e quase indecifrável caligrafia, ano após ano, quase sempre ele perguntava-me o que eu queria ser quando crescesse. (creio que, no íntimo, eu já tivesse uma pálida ideia). Dizia:- “Menino, abra a boca”… ”Assim… AAH… Muito bem!”… “Respire fundo… De novo… Huum” …” Diga trinta e três” …” Bom, agora, tussa!”. Nossa, como aquilo tudo era diferente!

Terminado o exame, passando a mão na minha cabeça, ao dizer para minha mãe com firme convicção “ele vai ficar bom!”, é estranho, mas sinto como se fosse ainda hoje, que ao sairmos de seu consultório, eu já estava com uma fortíssima e reconfortante sensação de estar curado ou com os meus sintomas completamente aliviados sem sequer ter tomado um único medicamento seu!

Paulo Rebelo                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

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