A DOENÇA*

 

Uma vez,

 acovardado,
entre incontáveis vezes tive medo;
medo quando estive doente,

ou parecer doente,
como um pássaro ferido, 

acorrentado numa jaula,
abatido como caça animal.
Na minha cabeça,

execrado publicamente sem piedade;

exposto a céu aberto,

vivisseccionado o meu corpo,

eviscerados meus defeitos,

minhas fraquezas.

ilusões perdidas

 

O medo…
agora sei;
a doença.

Ela lembra a invalidez,

a  incapacidade,

a dor,

a morte.

 

No íntimo,
há mistérios que não valem a pena perscrutar;

é doloroso demais por não se chegar a lugar nenhum.

A gente não sabe para onde vai,

mas o maior medo mesmo é o medo de partir;

um adeus para sempre e precoce,

sem tempo de arrumar os papéis.

Tal assunto não interessa mais a ninguém.

quando a caminhada para a descoberta é solitária;

cada um que carregue sua pesada cruz.

 

No íntimo, há curiosidade de saber até onde iria esse martírio,
uma grande provação,
até onde resistiria um homem de tanta pressão até lhe esmagar o coração,

pois vi muitos partirem sem me dar uma reposta.

 

Vulnerável,
as minhas máscaras rasgadas,
destituído de defesas,
antes um homem brincando de ser perfeito,

num absurdo papel teatral,
hoje, percebo-me enfermo de corpo e alma.

Mas, o que teria eu mesmo a esconder se nada é tão diferente de outros homens?

Só medo…

São provações que me parecem insuportáveis.

À vezes, a dor é tamanha,

antes a partida.

 

A doença é a morte a conta-gotas;

é um treino para a morte vindoura;

a invalidez progressiva a tira colo.

Mas, poucos percebem.
Um medo do isolamento e abandono,
o degredo social.
Um estranho sentimento de humilhação pela condição humana,

de piedade, do esquecimento comunitário…

Não são lucubrações.

 

Talvez, quem sabe,
a condição provocada pela enfermidade me faça um homem mais humano,
não havendo espaço para orgulho e avareza.

Ou a doença me cura ou me mata, mal servindo de pálido exemplo que ninguém vá seguir a não ser eu mesmo, pois essa jornada é só minha.

 

Assim, esse é meu maior medo;

Ser um homem que venha a passar como um papel em branco,

um borrão pela face da terra,
sem que haja tempo ou oportunidade da depuração,

 pois senão dessa forma tudo será farsa, 

tudo em vão,
tudo terá sido uma grande encenação do início ao fim de minha vida.

 

Paulo Rebelo, o escrevente do tempo.

 

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